Líder no ramo do streaming no Brasil, a Netflix recebeu críticas de usuários recentemente ao implementar uma taxa de R$ 12,90 a quem compartilhar senhas com pessoas de outras residências. Com média superior a 50 milhões de usuários mensais, a empresa tem quase o triplo da segunda colocada, segundo levantamento da empresa de análise de internet Comscore. A medida foi tomada em mais de 100 países pela gigante norte-americana. Em solo brasileiro, no entanto, ela é vista como uma infringência contratual, segundo especialistas.
De acordo com Francisco Mango Neto, coordenador da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor, o Procon, de Ribeirão Preto, é preciso estar claro e transparente, desde o princípio, se o usuário pode ou não compartilhar sua senha com outras pessoas. Além disso, o profissional lembra que o próprio assinante “pode inclusive ser de vários lugares, como ter alguns endereços, sendo casa de veraneio, local de estudo, moradia, até em viagem, no próprio celular. Então nós entendemos, hoje, que o contrato não balizava contra e poderia, sim, ter vários endereços”.
Em 2022, 75% dos brasileiros utilizavam serviços de streaming, segundo pesquisa feita pela plataforma Roku, dos Estados Unidos. Portanto, grande parte da população pode ter sido impactada de alguma forma pela cobrança adicional, o que, para o professor Roberto Augusto Pfeiffer, da Faculdade de Direito (FD) da USP, é uma modificação unilateral de cláusula contratual. “Passar a cobrar consequentemente, simplesmente por estar num CEP diverso da residência, configura uma infração a esta cláusula contratual anterior, e o Código do Consumidor impede a modificação unilateral do contrato.”
Ele acrescenta que, além disso, “vislumbra-se uma publicidade enganosa, uma oferta enganosa, pois é contrária à informação que sempre foi dada de que o consumidor poderia ter a Netflix em qualquer local, nada impedindo, por exemplo, que seja em um CEP diferente de onde ele reside”.
Essa cobrança pode ser revogada?
Recentemente, diversos Procons, incluindo o do Estado de São Paulo, instauraram processos administrativos para apurar a conduta da Netflix. A punição, de acordo com Pfeiffer, pode variar desde o fim da cobrança até uma multa milionária à empresa. “Em relação ao processo administrativo sancionatório, a Netflix pode vir a ser punida com multas que variam de acordo com a capitulação da gravidade, ou seja, em que gravidade o Procon colocar, e com o faturamento da Netflix. Mas podem chegar a um máximo de R$ 12 milhões”, explica.
O professor ainda recorda outro cenário, que envolve “a propositura, por uma entidade de proteção do consumidor ou por um Ministério Público, de uma ação civil pública, em que aí, sim, o juiz que tem esse poder determinasse a cessação da prática”. Por outro lado, o especialista menciona que, no âmbito das reclamações individuais, pode haver uma conciliação com a Netflix, o que cancelaria a mudança nos contratos dos consumidores.
Contudo, se não houver o entendimento entre assinantes e empresa, Mango enxerga um prazo incerto até a resolução. “Nós não temos como prever, porque os Procons municipais relatam esse problema aos Procons estaduais, que vão relatar à secretaria nacional e ela vai tomar essas providências. Mas é um prazo indefinido. Isso pode demorar um mês, dois meses ou três meses.”
Assim como o professor Pfeiffer, o coordenador do Procon de Ribeirão também enxerga que essa cobrança extra da Netflix caracteriza propaganda enganosa. “Tudo isso é contra a coletividade e está infringindo o artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor, o qual também nos permite acionar o promotor de justiça, através do Ministério Público, e fazer com que eles voltem a não cobrar essa taxa extra de R$ 12,90.”
A voz do consumidor
Por se tratar de uma empresa de grande porte, muitos clientes podem não acreditar que têm um papel fundamental em toda essa polêmica. Para que a cobrança adicional seja revogada, no entanto, é essencial que o consumidor insatisfeito se expresse, sobretudo, porque os Procons estão autorizados a multar a empresa quando houver reclamação. “O que a gente indica é que as pessoas, os consumidores que se sentirem lesados, façam essa reclamação aos Procons municipais, para que a gente informe ao estadual, e ainda liguem no serviço de atendimento ao consumidor, registrando que não está autorizada essa cobrança de R$ 12,90 ou que eles entendem como um abuso essa cobrança”, recomenda Mango.
*Estagiário sob orientação de Ferraz Jr.
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