Os desafios para o jornalismo científico no Brasil

Depois do salto de visibilidade durante a pandemia, a cobertura de Ciência no Brasil tende a manter o mesmo espaço nas mídias?

 15/06/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 27/06/2022 as 17:42

Por Luiz Roberto Serrano

Arte Moisés Dorado sobre imagens Ufabc, Observatório da Imprensa e twitter

Tradicionalmente pouco valorizado pelas mídias, o jornalismo científico deu um enorme salto de visibilidade quando se multiplicaram as notícias e análises dos malefícios provocados mundialmente pela covid. Qual o espaço que ele vai ocupar na mídia quando a pandemia do sars-cov-2 esmaecer?

Essa foi uma das perguntas feitas a vários dos jornalistas científicos brasileiros e a alguns cientistas e assessores de imprensa sobre a cobertura de Ciência na mídia, ao longo do tempo, e quais as características e ferramentas que observa ou deveria observar.

No total, foram 17 profissionais entrevistados, num trabalho coordenado por mim, em cujas respostas ficou claro que há muito, muito mesmo, a melhorar na cobertura de Ciência em todas as vertentes da imprensa brasileira, impressa, TV, rádio e internet. Para a maioria dos entrevistados, o ânimo e a extensão que caracterizaram a cobertura pela imprensa desta lamentável temporada de covid deveria se manter e crescer.

Nesta e nas próximas edições, o Jornal da USP republicará várias matérias desta reportagem especial do Jornalistas&Cia, publicada no último dia 1° de junho, tradicionalmente comemorado como Dia da Imprensa.

Jornalismo científico: os desafios de manter o patamar alcançado na cobertura da pandemia

Nesses dois anos de pandemia, a demanda sobre conhecimento rigoroso a respeito dos cuidados a tomar com a Covid, as formas de enfrentá-la, as pesquisas e as descobertas de vacinas, as buscas de remédios, tudo mobilizou a ciência extraordinariamente... Isso tudo despertou muita atenção para a ciência. Mas, o que é espantoso, junto com isso veio um elogio da ignorância, da estupidez, da morte, com campanhas de negacionismo

O noticiário sobre a covid, desde 2020, maximizou o espaço de cobertura da doença, seus efeitos, o modo de enfrentá-la, o combate ao negacionismo, de uma forma e de um espaço inéditos. O tema teve enorme presença nos veículos escritos, nas imagens de TV, no áudio das rádios e espaços nas mídias sociais. Superou enormemente a modesta cobertura que temas ligados à Ciência sempre receberam na mídia, e cujo espaço encolheu ao longo dos tempos, especialmente em função das modificações técnicas e consequentes dificuldades econômicas que o setor enfrenta.

Foi um momento de visibilidade diferenciada para o jornalismo científico e a divulgação cientifica, duas atividades semelhantes mas essencialmente diferentes, que inundaram uma sociedade perplexa pelas milhões de mortes e deletérios efeitos provocados pela covid e que ansiava por informações e orientação sobre como lidar com a doença, além de conviver com o absurdo negacionismo ressaltado por Ribeiro.

Renato Janine Ribeiro - Foto: Reprodução/Vermelho

Graças às pesquisas e vacinas rapidamente produzidas por laboratórios, universidades e empresas, a covid, após enorme sofrimento, milhões de mortes e adaptações ocorridas no convívio humano, hoje está razoavelmente controlada, embora resistindo em algumas regiões do planeta, mas tudo indicando que deverá permanecer como mais uma doença gerenciável com a qual a humanidade deve conviver.

Avanço ou recuo?

Dentro dessa perspectiva, é lícito imaginar qual será o espaço que, daqui por diante, deverão ter o jornalismo e a divulgação científicos na mídia em geral, após os imensos serviços que prestaram mundo afora? Deverá manter-se ou encolher, voltando aos níveis pré-covid?

O experimentado jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, assessor da Presidência da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e professor do Insper, faz questão de registrar que a pandemia proporcionou ao jornalismo científico extraordinária chance de comprovar sua importância, que foi bem aproveitada: “Não me recordo, nas minhas cinco décadas como jornalista profissional, de ter testemunhado período em que o jornalismo científico foi tão destacado quanto nos últimos dois anos”.

Carlos Eduardo Lins da Silva - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“Sim e não”, responde a essa pergunta a jornalista Graça Caldas, pesquisadora do Labjor/IEL da Universidade de Campinas: “Já havia um movimento de expansão da cobertura científica incentivada pelas redes sociais. Como sabemos, tradicionalmente, a área de Saúde, observada em diferentes pesquisas de opinião, ocupa um espaço preferencial nas mídias”. E acrescenta: “Com a pandemia e todo o debate público sobre a importância da vacinação em massa, preconizada pelos especialistas na área, a postura negacionista do governo federal, ao lado de mortes inevitáveis pelo vírus, o tema entrou naturalmente na casa das pessoas que buscavam informações sobre como proceder, diante das controvérsias frequentes entre o poder público, a mídia e a sociedade”.

Graça Caldas - Foto: Reprodução UEM

Graça acredita que “os avanços da ciência no combate à pandemia, com resultados visíveis e a presença de cientistas cotidianamente na mídia, provocou naturalmente maior credibilidade na ciência e na mídia, que terminaram atuando em conjunto, face à ausência do poder público, que deliberadamente procurava confundir a população sobre a eficácia da vacina no combate ao vírus da covid e suas variantes”.

“Em relação ao passado recente, a cobertura dos avanços da ciência no combate à pandemia foi um ponto fora da curva”, acredita Herton Escobar, repórter especial do Jornal da USP. “Mas em relação ao futuro, espero que não, temos que esperar para ver”.

Segundo analisa, durante a pandemia a ciência ganhou as manchetes e passou a permear todo o noticiário diário: “Foi uma imposição da pandemia ao jornalismo, e tenho prazer em dizer que, apesar de todas as limitações, a cobertura jornalística no Brasil foi de ótima qualidade”.

Na opinião dele, “a imprensa cumpriu um papel crucial de informar a população sobre uma série de questões complexas relacionadas à doença, ao vírus, às vacinas e às outras medidas farmacológicas e não farmacológicas de enfrentamento da pandemia”. E ressalta: “Além de dar notícias verdadeiras, teve que gastar uma energia enorme desmentindo notícias falsas e teorias conspiratórias; e fez isso muito bem”.

Mas Escobar manifesta dúvidas, ao reforçar a pergunta sobre se, a partir de agora, com maior controle da covid, haverá avanço ou recuo na cobertura da mídia sobre Ciência: “Será que essa valorização permanecerá viva no noticiário daqui para a frente, depois que a pandemia acabar, ou voltará aos níveis pífios da era pré-covid?”

Para tentar responder a essa pergunta, Jornalistas&Cia pesquisou a opinião de jornalistas e cientistas sobre o jornalismo científico e a divulgação científica ao longo da história recente do País, neste momento especial da covid e suas perspectivas.

(Continua nas próximas edições do Jornal da USP)

Herton Escobar - Foto: Arquivo pessoal

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