O Supremo Tribunal Federal deve julgar, ainda no primeiro semestre do ano, a Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que decide sobre o Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador. Há anos na Corte, deve ser retomado agora o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1625) sobre o decreto, assinado por Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República, cancelando a convenção.
A Convenção da OIT é um tratado internacional que, diferentemente de outros assinados pelo chefe de Estado – no nosso caso, o presidente –, é aprovado por conferências da OIT, que se reúne anualmente em Genebra. O Brasil é um dos membros fundadores da organização e participa desde a primeira reunião. Essas decisões, quando ratificadas, passam a ser parte do ordenamento jurídico de um país.
A Organização Internacional do Trabalho foi criada em 1919 e tem como objetivo promover a justiça social. Como parte do Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, foi estabelecida a criação da organização. Desde lá, já foram adotadas 189 Convenções Internacionais de Trabalho.
A que está sendo julgada pelo STF foi aprovada em 1992. Para isso, o Congresso Nacional teve que ratificá-la, ou seja, a convenção passou por um processo legislativo por meio do qual aquela Casa a aprovou e a introduziu no ordenamento jurídico brasileiro. Em 10 de Abril de 1996, ela foi promulgada por FHC. Em 20 de dezembro, por meio de uma decisão do presidente, ela foi denunciada e cancelada.
É exatamente a validade do ato de denúncia que está em disputa, já que foi um ato unilateral e não uma decisão chancelada pelo Congresso Nacional. Caso seja declarada inválida, a questão será novamente submetida ao Congresso Nacional. “É uma discussão formal, mas de consequências simbólicas e políticas, bastante relevantes”, explica Antonio Rodrigues de Freitas, do Departamento de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP.
Mal-entendido
“Eu tenho a impressão de que foi um conjunto de interpretações equivocadas do presidente da República da época e também decisões judiciais equivocadas”, explica o professor. Diferentemente de outras convenções da época, a 158 não assegura a estabilidade do empregado na empresa, nem a proibição da dispensa sem ser por faltas disciplinares. O que ela efetivamente proíbe é a dispensa sem justa causa, sem nenhum motivo.
Esse direito já é previsto pela Constituição, lembra o professor. O artigo 7, inciso I, assegura a “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”. A questão central da demissão sem justa causa é que qualquer demissão não afeta somente o empregado, mas a sociedade civil como um todo, já que é ela que arca com os custos do desemprego. Existem, portanto, as consequências diretas – que atingem o desempregado – e as indiretas – como a sociedade ter de pagar o seguro desemprego. Essa decisão tem repercussões sociais e políticas que vão além da relação empregado e empregador.
Antonio Rodrigues ainda ressalta que o Judiciário acabou por dar uma rigidez a essa convenção que ela mesma não tinha, o que causou uma resposta dura do empresariado. A decisão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de cancelar a Convenção nº 158 foi, então, baseada em uma má compreensão e pressão por parte da sociedade. “O que fez com que o presidente acabasse tomando essa decisão que, ao mesmo tempo, foi equivocada do ponto de vista jurídico e do ponto de vista político, mas foi absolutamente compreensível naquele cenário político de 1996”, complementa.
O que vai mudar?
O julgamento diz respeito à Ação Direta de Inconstitucionalidade e a uma outra ação, que afirma a constitucionalidade, promovida pelas organizações empresariais. O resultado dele, porém, não impacta diretamente na configuração dos direitos do empregado além daqueles que já existem.
“O resultado dessa decisão não implicará diretamente na configuração de nenhum direito para o empregado além daquilo que já existe e, infelizmente, no Brasil, a dispensa ainda é largamente praticada de maneira imotivada”, diz o professor. Ele ainda pontua que é praticado um tipo de dispensa que se aproxima apenas daquele praticado nos EUA, o at-will employment: a possibilidade do empregador demitir um funcionário por qualquer motivo e sem aviso prévio.
“Nós deveríamos caminhar no sentido de um aperfeiçoamento nessa modalidade de extinção de vínculo que temos no Brasil”, ele diz. Para Rodrigues, um modelo próximo do ideal e que poderia ser implementado aqui é o da Europa Ocidental Continental e do Reino Unido, no qual são necessárias justa causa – que vão desde razões comportamentais até condições empresariais, econômicas e mudanças tecnológicas – e motivo para a demissão.
O importante é não haver rigidez absoluta nem liberdade geral de demissão, muito praticada no Brasil. “A dispensa é aceitável desde que haja motivo razoável para isso. Esse motivo precisa ser levado ao conhecimento do empregado e, eventualmente, submetido ao Judiciário”, finaliza.
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