No começo de fevereiro, o ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro apresentou um projeto de lei anticrime com o objetivo de ter mais efetividade no combate a três frentes principais: corrupção, crime organizado e crimes violentos. O pacote foi detalhado por Moro no início do mês e prevê alterações em 14 leis, como o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execução Penal, a Lei de Crimes Hediondos e o Código Eleitoral.
Um ponto que chamou a atenção de especialistas foi a retirada da criminalização do chamado caixa 2 do pacote. Sérgio Moro afirmou que a criminalização do caixa 2 vai ser apresentada em um texto à parte. Moro explicou que o governo optou pelo fatiamento, diante de reclamações de políticos que se sentiriam “incomodados” com a tramitação da criminalização do caixa 2.
Alguns pontos do pacote anticrime de Moro, que deverá passar por votação no Congresso, dizem respeito à questão da legítima defesa – o texto permite livrar de penas o agente policial ou o agente de segurança pública que matar alguém em serviço, em situação de “conflito armado ou em risco iminente de conflito armado”, e para prevenir “injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem” – e o chamado plea bargain, termo em inglês que se refere à confissão de crimes por parte do acusado. Não se trata de delação premiada.
Para falar sobre esse novo pacote anticrime, o Diálogos na USP recebeu os professores Davi Teixeira Azevedo, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e Brasílio João Sallum Júnior, professor de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo e criador do Consórcio de Informações Sociais (CIS), projeto da USP/Anpocs.
Para o professor Davi Azevedo, o pacote do ministro Sérgio Moro não vai resolver a questão da criminalidade no Brasil. “O direito penal não resolve criminalidade”, alerta o professor, afirmando que traz apenas um “efeito meramente simbólico”. Azevedo considera que não se muda uma questão tão complexa por decreto e que “a lei penal é o último caminho, é a última instância. É o último instrumento de intervenção do Estado quando todos os outros não deram conta de resolver aquele grave problema social”, avalia, defendendo que é preciso resolver a questão da criminalidade na sua raiz. “Prisão não resolve a questão da criminalidade nem traz segurança”, garante o professor, lembrando que, nos últimos dez anos, triplicou o número de presos no País.
Pensamento semelhante tem o professor Brasílio Sallum Júnior, que considera que a criminalidade tem de ser pensada em termos amplos. “A sociedade do Brasil é extraordinariamente desigual”, avalia, lembrando que isso se deve ao próprio aumento da desigualdade global provocada pelo sistema capitalista e à crise que o País atravessa desde 2014. Sallum explica que o aumento da desigualdade provoca o aumento da criminalidade, “não porque as quadrilhas, a criminalidade organizada, esperem aumento da pobreza para crescer, mas porque todo o sistema se beneficia um pouco dessa fragilização da sociedade como um todo”.
Nesse sentido, o professor considera que há muitas outras maneiras de combater a criminalidade organizada. “A escolha feita foi de acentuar a penalização, aumentar a pena para crimes mais graves e facilitar a vida dos policitais que entram em combate com essas organizações criminosas, mas me pareceu uma escolha unilateral”, diz.
Ele também se diz surpreendido com o fato de o projeto do ministro Sérgio Moro não ter tocado em questões relacionadas com a superlotação das prisões, já que “40% daqueles que estão em prisões são detidos e não condenados”. Sallum acredita que, dessa forma, o sistema acaba fornecendo uma massa de membros para as organizações criminosas que dominam os presídios, ao invés de tratar de mecanismos que reduzam esse grande número de detidos.
O Diálogos na USP tem apresentação de Marcello Rollemberg, produção da Editoria de Atualidades do Jornal da USP e da Rádio USP e trabalhos técnicos de Rafael Simões.