De início, vale reconhecer um aspecto inovador de participação social propiciado desde a promulgação da Lei Federal 6.938 de 1981, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente. Criada em contexto de clamor por redemocratização, mas ainda dentro do período de governo militar, a norma antecipou o processo de participação social em políticas públicas na forma da criação do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que posteriormente foi regulamentado e deu bases para análoga participação em conselhos estaduais e municipais de meio ambiente. Inequívoco notar que os temas ambientais são de interesse difuso, por isso, não devemos estranhar que sua regulamentação mais bem fundamentada demanda garantir a inclusão de distintos atores sociais, o diálogo e a diversidade de ideias, impulsionando o necessário processo de democratização.
O conjunto amplo em que podemos considerar uma agenda ambiental brasileira (normas, políticas, ações, ciência, conhecimento e engajamento de atores sociais) remete a um processo de décadas de luta legítima pelo interesse coletivo. De fato, isso se consagra em nossa Carta Magna onde consta que “todo o poder emana do povo” e que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado […], impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Porém, desde 2019 assistimos a um contundente desmantelamento ambiental no âmbito do Governo Federal. Em oposição à tradição implementada, o início do novo governo foi marcado por diversas ações que contrapõem a democracia, como na redução das possibilidades de diálogo e de representatividade no Conama. Essa circunstância foi devidamente veiculada por ampla cobertura midiática, assim como outras situações estarrecedoras, como: progressivo aumento de desmatamento e de focos de incêndio em nossos biomas – como na Amazônia; redução de efetivos, de operações e de aplicação de multas por crimes ambientais; paralização do Fundo Amazônia que destinava bilhões de dólares à causa ambiental de nosso maior bioma tropical; e (acreditem!) diálogos e defesas a garimpeiros, grileiros de terra e madeireiros ilegais em detrimento de interações com instituições científicas e ambientalistas.
Nesse contexto, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade de nossos ecossistemas, da salvaguarda da vida e da democracia. Em nível global, assistimos a evidente emergência climática, desprezando o fato de que os ecossistemas de nosso país são fator de proteção às consequências dos extremos climáticos. Sem ao menos vermos o fim da maior crise sanitária dos últimos 100 anos, e tendo a clara noção de que o vírus sars-cov-2 emergiu de ações antrópicas sobre ecossistemas e espécies naturais, vemos acelerar a destruição e o desequilíbrio de nossos preciosos biomas, que de tão diversos de vida também são diversos de potenciais agentes causadores de doenças aos humanos.
Vivenciamos elevação de tarifas de energia elétrica e passamos próximo da inexistência de água para milhões de habitantes em nossas cidades, ignorando que a floresta amazônica é a grande fonte dispersora de chuvas para a porção sul do continente. Vemos um processo de expansão predatória e de financeirização preocupante no setor agrícola exportador, que só é exitoso porque o País é uma potência hídrica, contudo, em conjuntura que praticamente despreza os serviços ecossistêmicos que proveem a produtividade. De fato, as crises sistêmicas associadas aos impactos ambientais afetam e afetarão a todos nós!
Além disso tudo, testemunhamos posturas orgulhosas e desvarios autoritários que desprezam o conhecimento científico. Negar a ciência e dar lugar ao obscurantismo significa denegar o conhecimento mais qualificado sobre a complexidade e pluralidade das questões socioambientais. Esse desserviço se presta a impor interesses escusos conduzidos pela truculência típica de nosso passado colonial e ditatorial, vangloriando um modelo de exportação de commodities agrícolas em um país que sequer está tendo êxito em alimentar sua própria população. Sim, o reducionismo da monocultura (de grãos ou de ideias) nos confunde quanto a propósitos elementares, como de utilizar nossos recursos naturais para preservar a vida e a saúde do povo brasileiro.
O Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira também remete a revigorar nossa agenda ambiental, lutar pela preservação de nossos biomas, zelar pela qualidade e disponibilidade de nossos recursos hídricos, restabelecer nosso papel global exitoso no enfrentamento da crise climática, evitar o envenenamento de nossos ecossistemas, conservar a biodiversidade, demarcar, homologar e proteger as terras indígenas e fazer voltar ao pleno funcionamento as instituições de Estado imbuídas dessas questões. No Brasil (e no planeta) não há mais espaço para retrocessos autoritários de uma monocultura de conhecimento e de práticas que ignoram a ciência, a coletividade e a importância intrínseca dos problemas ambientais.
Temos que contrapor a ilegitimidade de governantes que atentam contra as causas ambientais. Torna-se preciso reverter a agenda de desmonte praticada pela atual gestão federal e criar as condições para um novo modelo de desenvolvimento sustentável, não apenas para a região amazônica, mas para todos os biomas do País. Isto se reflete nos inúmeros benefícios econômicos que podem advir da utilização e da valorização de produtos oriundos da vasta biodiversidade brasileira, promovendo e apoiando a produção local, a inclusão social e a agricultura em bases de pequena propriedade familiar, que tem sido um dos importantes meios de garantir alimentação saudável para muitas famílias no País.
Com isso, vamos também clamar às brasileiras e aos brasileiros a atentar que o meio ambiente deve estar no centro das questões democráticas de hoje e do futuro.