
O ingresso no ensino superior no Brasil enfrenta um momento de declínio significativo, com uma alta do desinteresse dos jovens pela faculdade. Essa tendência é evidenciada pela queda no número de inscritos e participantes no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), principal porta de entrada para universidades no País. Em 2016, 5,8 milhões de estudantes compareceram a todas as etapas do exame. Em 2023, esse número despencou para 2,67 milhões, conforme destaca o pesquisador André Martins, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito à Educação, Economia e Políticas Educacionais da Faculdade de Educação (FE) da USP.

Apesar de esforços recentes para reverter essa trajetória, como o incentivo financeiro do Programa Pé-de-Meia de R$ 200 para a inscrição no Enem, os resultados são contraditórios. Segundo Martins, 91% dos concluintes do Ensino Médio se inscreveram na última edição do Enem, mas isso não reflete necessariamente um aumento no interesse pelo ensino superior, uma vez que essa taxa foi impulsionada pelo auxílio oferecido.
Em baixa
Entre as razões para o desinteresse, Martins aponta o desajuste crescente entre qualificações educacionais e ocupações disponíveis no mercado de trabalho. Segundo ele, quase 35% das pessoas com ensino superior ocupam cargos que exigem escolaridade inferior. Além disso, o especialista ressalta que o avanço do empreendedorismo de baixa qualificação como alternativa de subsistência na periferia contribui para a percepção de que a universidade não é mais um caminho essencial.
“Existe essa idealização do negócio por conta própria como uma espécie de alternativa, inclusive, para se salvar das humilhações frequentes que, infelizmente, são muito comuns em trabalhos de baixa qualificação. Então essa combinação entre o mercado de trabalho que já não absorve tão bem essas pessoas e essa aposta no empreendedorismo de baixa qualificação tem gerado uma perda progressiva de interesse no ensino superior”, pontua.
Reforma do Ensino Médio
Outro fator central, segundo pesquisa da Rede Escola Pública e Universidade (Repu), é a insegurança dos alunos em relação ao Enem e outros vestibulares após a reforma do Ensino Médio. O estudo revelou que 80% dos estudantes concluintes não se sentem preparados para enfrentar essas avaliações. Martins diz que essa sensação de despreparo está ligada às mudanças estruturais trazidas pela reforma, que flexibilizou o currículo ao introduzir os chamados itinerários formativos.
Os impactos dessa reforma têm sido desiguais, conforme aponta o especialista. “Em regiões com melhores índices socioeconômicos, há mais opções de itinerários formativos, inclusive nas redes públicas. Já em áreas com menor índice, as opções são escassas e, na verdade, os itinerários formativos deixaram mais caminhos do que opções de fato para os alunos”, observa o pesquisador.
A redução da formação geral básica para dar espaço aos itinerários também é alvo de críticas dos próprios alunos. O levantamento da Repu mostrou também que 79,3% dos entrevistados acreditam que essa mudança terá um impacto negativo em suas vidas. “Os estudantes percebem que a formação geral básica é fundamental para o Enem, cujo escopo avaliativo não inclui os itinerários formativos”, ressalta Martins.
*Sob supervisão de Cinderela Caldeira e Paulo Capuzzo
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