Biologia evolutiva do desenvolvimento explica origem das formas biológicas

Disciplina procura entender como ocorre a variação entre as espécies que gera toda a diversidade da vida

 12/04/2017 - Publicado há 7 anos
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Integrada com biologia molecular, evolução, genética, entre outras áreas, a biologia do desenvolvimento estuda organismos como os tunicados – Foto: Wikimedia Commons

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Embora tenha surgido há aproximadamente 3,8 bilhões de anos, a vida na Terra ainda tem muito o que aprender sobre suas próprias origens. Foi somente no século 19, durante a famosa viagem do navio HMS Beagle à América do Sul, que o cientista inglês Charles Darwin esboçou o que ficaria conhecido como a teoria da evolução por meio da seleção natural.

Para o naturalista, o conceito de seleção natural envolveria entender como algumas características que são hereditárias se tornaram mais comuns em gerações sucessivas de uma população de organismos que se reproduzem e, ao mesmo tempo, que outras características tornam-se menos comuns.

Pouco mais de cem anos desde a apresentação da hipótese para cientistas do mundo todo, a teoria é uma das bases do campo que ficou conhecido como biologia evolutiva do desenvolvimento (em inglês evo-devo). A subdivisão da biologia estuda a origem e a descendência das espécies, bem como suas mudanças ao longo do tempo.

Apesar de ter começado no continente, o estudo da evolução das espécies feito nos países latino- americanos ainda busca visibilidade internacional. Não por acaso, o professor do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências (IB) da USP, Federico David Brown Almeida, especializado na área da evo-devo, foi o responsável por uma edição especial do Journal of Experimental Zoology Part B., lançada no início deste ano.

A edição, na qual Brown foi editor convidado, foi dedicada à pesquisa em biologia evolutiva do desenvolvimento na América Latina.

“A biologia do desenvolvimento é uma disciplina relativamente nova que começou nos anos 1980 como consequência do boom molecular”, explica ele. Foi somente nas últimas duas décadas do século 20 que o desenvolvimento ganhou destaque maior no campo da evolução, a partir da descoberta de genes que regulam o desenvolvimento embrionário nos chamados “organismos-modelo”. A descoberta, de acordo com o docente, permitiu aos cientistas estudar genes em vários grupos animais.

“É uma disciplina que se integra com biologia molecular, evolução, genética, entre outras áreas mais velhas da biologia”, esclarece ele, ao enfatizar que a pergunta principal da disciplina é explicar como se originam as formas biológicas. Ou seja, entender quais são suas origens do ponto de vista genético do desenvolvimento e “como ocorre a variação entre os animais para gerar toda a diversidade que a gente tem na vida”, ilustra o professor.

Visibilidade na América Latina

Foto: Reprodução

De acordo com Brown, a edição especial foi o resultado de uma conferência que aconteceu na Califórnia há pouco mais de dois anos. Durante o evento, se formou a Sociedade Pan-Americana de Biologia Evolutiva do Desenvolvimento, com pesquisadores norte- americanos e latino-americanos.

“Eu estava envolvido na formação desse novo grupo e os outros pesquisadores me convidaram para organizar um workshop da América Latina para entender por que a área está tão pouco representada na nossa região”, relembra Brown.

A partir do encontro, participantes latino- americanos solicitaram um espaço aos editores das principais publicações da área para apresentar seus trabalhos e dar maior visibilidade à pesquisa da região. Como editor associado, Brown, que na USP é líder do Laboratório de Evo-Devo do IB, foi atrás de pesquisadores no Brasil e na América Latina que compuseram um mosaico de tudo que é produzido no continente.

No volume foram incluídos revisões, artigos históricos e diversos trabalhos experimentais. “Tratamos desde a parte epistemológica, de história da ciência, até propostas novas e trabalhos experimentais com animais da nossa região”, sumariza ele.

Ao todo, seis países contribuíram com os 13 artigos do volume. Brasileiros colaboraram com um artigo introdutório e uma revisão histórica de evo-devo na América Latina, além de uma série de estudos funcionais e do desenvolvimento de uma estrutura anatômica (filamentos pélvicos) do peixe pulmonado da América do Sul (peixe amazônico) e uma análise do desenvolvimento dos olhos em castas de abelhas, feita por especialistas da USP, no campus de Ribeirão Preto.

Federico David Brown Almeida, do Instituto de Biociências (IB) da USP – Foto: Reprodução

No geral, os artigos focam em organismos característicos do continente, que são “pouco estudados, interessantes e originais por isso”, explica o professor.

“Foi bem interessante porque incluímos tanto plantas quanto animais, já que temos, na América Latina, grupos fortes nas duas áreas”, revela Brown ao salientar que não é comum na evo-devo unir botânica e zoologia em um mesmo volume. ”A biologia do desenvolvimento estava dividida e foi predominantemente dominada por modelos animais. E a comunidade de plantas, que estudava Biologia do Desenvolvimento, estava associada à áreas mais fisiológicas”, lembra ele.

No entanto, ao trazer a botânica para o volume, o professor defende que aproximar os campos provoca um enriquecimento da pesquisa na área. “Em plantas temos grupos que estão estudando a identidade das estruturas florais, a diversidade da arquitetura floral, por exemplo”, destaca. Por meio de estudos da nossa flora, especialistas perceberam que alguns modelos estabelecidos para plantas já não se mantêm mais e estão em constante mudança.

Laboratório de evo-devo

Formado por um grupo relativamente pequeno, o chamado Laboratório de Evo-Devo do IB existe faz três anos. Seu projeto principal busca entender a origem evolutiva das células-tronco. Nesse campo, pesquisadores também procuram compreender os chamados processos de regeneração. “Queremos saber como essas células evoluíram e como as mudanças nos processos de células-tronco podem estar envolvidas em processos regenerativos de alguns animais”, explica o especialista.

“Estamos usando vários invertebrados, sobretudo tunicados, um subfilo de animais marinhos”, elabora Brown. Os tunicados são animais que evolutivamente estão próximos dos vertebrados e portanto compartilham muitas similaridades em seu desenvolvimento inicial. “Neste grupo, depois do desenvolvimento larval, você tem várias espécies coloniais que evoluíram. Vários grupos dentro desse filo são coloniais, então eles conseguem se clonar formando indivíduos diferentes, como as plantas”, esclarece o professor.
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Espécie de tunicado – Foto: Wikimedia Commons

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Apesar de serem um grupo de animais que se desenvolvem como vertebrados, os tunicados conseguem ter o que os especialistas chamam de plasticidade e se reproduzem assexuadamente por brotação.

“Queremos entender como nós perdemos essas capacidades regenerativas, essas capacidades de brotar, regenerar, que tinham nossos ancestrais”, revela Brown. Alternativamente, o objetivo da pesquisa atual do laboratório é entender como evoluíram as capacidades regenerativas e de brotamento neste grupo específico de animais.

O laboratório atualmente é formado por apenas oito membros.

Uma teoria unificada

“Foram três concursos para o Departamento de Biologia do Desenvolvimento da USP até a chegada de um candidato apropriado”, recordou Brown, que veio do Equador para trabalhar no Brasil. “Somos poucos os que atuam nessa linha de pesquisa na América Latina”, pontua.

A área, que é forte tanto nos EUA quanto na Europa, possui uma grande tradição no velho continente, onde se formou a primeira sociedade de evo-devo do mundo.

Foto: Reprodução

Entretanto, “o estudo começou lá, mas o objeto foi estudado aqui na América Latina”, reforça o pesquisador, ao salientar que a proposta da edição especial é deixar claro para os demais cientistas da área que a América Latina tem contribuído com várias novas ideias sobre evolução e é um continente que pode explorar sua diversidade natural para continuar fazendo descobertas. “Os modelos de animais e plantas que temos aqui são inumeráveis e com adaptações fenomenais, coisas realmente únicas que precisam de mais visibilidade e investimento local”, aponta ele.

A área da Biologia do Desenvolvimento, por ser relativamente nova, ainda conta com poucos laboratórios já estabelecidos. E, na América Latina, os poucos locais de estudo também sofrem com a falta de comunicação.

“Estamos acostumados a colaborar e interagir com pesquisadores do chamado Primeiro Mundo, mas não entre nós. Nos falta esse tipo de interação para gerar um grupo forte”, teoriza o docente.

O Journal of Experimental Zoology Part B. publicou artigos de vários grupos da América Latina, dentre eles, as pesquisas de Augusto Flores, Gabriel Marroig, Hussam Zaher, Klaus Hartfelder, Márcia Bitondi, Miguel Rodrigues, Nanuza Luiza de Menezes, Tiana Kohlsdorf e Zilá Luz Simões, especialistas da USP

O futuro, para o professor Brown, está em formular, junto com pesquisadores da Ecologia, uma teoria de como o ambiente está envolvido nos processos do desenvolvimento, como ele pode influenciar esse desenvolvimento e como esses desenvolvimentos passam por processos adaptativos. A partir daí, especialistas em evo-devo poderão trabalhar com base em uma “teoria nova, sólida e forte”, que unirá a área e ampliará ainda mais suas possibilidades de novas descobertas.

Mais informações: e-mail fdbrown@usp.br, com o professor Federico David Brown Almeida


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