
Para que o Brasil retome a rota de crescimento econômico, só o ajuste fiscal não será o bastante. A afirmação categórica é consenso entre os palestrantes da conferência Ajuste fiscal e desenvolvimento, que ocorreu no Salão de Conferências da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP na última terça-feira, 25 de outubro. O quarto evento do ciclo de conferências Repensar o Brasil, em comemoração aos 70 anos da FEA, trouxe os professores do Departamento de Economia Simão Davi Silber e Carlos Antônio Luque, além do ex-professor Nessim Zagha.
Para Silber — que abriu a palestra —, o “Brasil é um caso típico de país que cresceu muito e parou de crescer”. No período entre 1945-80, o crescimento do PIB per capita era de 4,5% ao ano, de 1981-2016 a taxa teve acréscimos médios de 0,7% ao ano. Paralelamente, os países que enriqueceram a partir de 1980, como os asiáticos, mantiveram taxas médias de 2% ao ano. Para o docente, dois fatores influenciam o baixo crescimento brasileiro: taxas de juros reais altas — em média, 6,9% ao ano, versus 2% nos países que se desenvolveram no último século — e a taxa de câmbio efetiva real oscilante e baixa, prejudicando a indústria nacional.
Segundo ele, o déficit fiscal não é novidade no Brasil, mas a partir do momento em que o crescimento econômico reduziu-se, o problema tornou-se dramático, travando a economia. Para Silber, além do ajuste fiscal, o Brasil precisa corrigir suas taxas de câmbio e juros e abrir-se para acordos regionais e unilaterais. É necessário também, para o economista, um “programa ambicioso de concessões e privatizações em infraestrutura” e a redução do tamanho do Estado, que tornou-se maior do que as receitas do País.

Para o professor Carlos Antônio Luque, no Brasil atribui-se ao Estado tanto a culpa para todos os problemas, quanto a solução para os mesmos. Com passagem pelo setor público — foi secretário adjunto da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo durante o período de 1995 a 2005 —, Luque ressalta que “governos fazem coisas complexas”, o que resulta em fragmentação e desorganização. Além disso, por lidar com a coisa pública, não é possível atribuir ao Estado as mesmas medidas de ajuste que são efetivas em empresas.
Com a crise e a perda de renda do brasileiro, muitos migraram do privado para o público em setores como saúde e educação, fazendo com que o governo tenha maior demanda de serviços públicos, como hospitais e escolas, e, consequentemente, sofrendo pressão para que tenha mais gastos. Com a “trajetória explosiva da dívida” foi proposta a PEC 241, também conhecida como PEC do Teto.
Para Luque, o projeto de emenda constitucional é fruto do “desespero total” do governo e da cultura brasileira de não atacar os problemas que enfrentam frontalmente, tentando contorná-los. Na opinião do docente, caso sancionada, a PEC 241 — que estabelece um teto para os gastos públicos e está em tramitação no Congresso — será como a Lei de Responsabilidade Fiscal, que, apesar de interessante, não é efetivamente respeitada pelos governantes.
Para Nessim Zagha, ex-professor da FEA e ex-diretor do Banco Mundial para a Índia, os temas fiscais — ajuste fiscal, déficit primário, previdência — dominam a pauta brasileira e falta discussão acerca do crescimento e do desenvolvimento do País. Segundo dados apresentados pelo economista, em 1981, o PIB per capita de Brasil e Coreia do Sul era semelhante, representando 15% do norte-americano. Décadas depois, em 2014, a renda per capita dos sul-coreanos passou a representar 50% da estadunidense, enquanto os brasileiros continuaram na faixa de 15%.

O economista apontou cinco pontos centrais que “empobrecem” o Brasil: a taxa de câmbio instável e flutuante, problema também apontado pelo professor Silber; a conta de capital excessivamente aberta, que traz benefícios duvidosos e custos altos, havendo portanto a necessidade de controlar a entrada de capital externo; a falta de importância dada à industrialização do País, já que a “globalização não é luxo, mas necessidade para crescer”; o mandato único do Banco Central, que foca apenas o controle da inflação, não atentando-se no combate ao desemprego, como ocorre em países como os Estados Unidos e a China; por fim, Zagha criticou a proposta de contração fiscal para reduzir a dívida pública — como ocorre na PEC do Teto —, ressaltando que não há exemplos de que esse tipo de medida seja efetiva na retomada do crescimento.
Apesar de discordâncias em pontos como a abertura para o capital externo e o tamanho do Estado brasileiro, os conferencistas concordaram que mesmo o sucesso da PEC 241 — que foi ontem aprovada em segundo turno na Câmara e agora corre no Senado — não será o bastante para fazer com que o País retome o crescimento nos próximos anos.
O ciclo de conferências Repensar o Brasil terá ainda três palestras, sendo a última em 21 de novembro. Para mais informações, basta acessar o site dos 70 anos da FEA.
Ouça abaixo a entrevista do professor Simão Davi Silber para o repórter Rafael Oliveira, da Rádio USP, em que o docente explica a PEC 241 e as perspectivas para o País.