Dalmo Dallari conta a história de Olímpia de Gouges

Aos 84 anos, o jurista e Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP lança um livro sobre a feminista e revolucionária francesa que elaborou os Direitos da Mulher e da Cidadã

 24/10/2016 - Publicado há 7 anos
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Dalmo Dallari: “Olímpia de Gouges foi ignorada pela história francesa por mais de 200 anos” - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
O professor Dalmo Dallari em sua casa, em São Paulo: “Olímpia de Gouges foi ignorada pela história francesa por mais de 200 anos” – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

“Mulher, acorda; o rebate da razão se faz ouvir em todo o universo, toma conhecimento de teus direitos.” Na voz pausada e clara de Dalmo Dallari, a frase da revolucionária francesa Olímpia de Gouges ressoa na dimensão do contemporâneo. Essas palavras de ordem foram escritas em 1791 e integram os Direitos da Mulher e da Cidadã, uma declaração que a levou, no dia 3 de novembro de 1793, à morte na guilhotina.
É essa história que o jurista e Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP pesquisa há uma década e resgata no livro Os Direitos da Mulher e da Cidadã por Olímpia de Gouges, a ser lançado, em breve, pela Editora Saraiva. Para Dallari, também professor catedrático da Unesco, na cadeira de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância, o pensamento e a luta da feminista francesa, passados mais de dois séculos, continuam sendo uma luz para as mulheres de hoje.
“Este livro vai ser lançado em um momento muito oportuno”, observa Dallari. “Acredito que vai motivar a reflexão das mulheres, mas também dos homens.” Importante lembrar a ação do jurista ao se posicionar publicamente contra o impeachment de Dilma Rousseff, que preferiu o termo “presidenta” para destacar a sua luta pelas mulheres. “Foi golpe, não tenho dúvidas. Também não tenho dúvidas de que a primeira presidenta vai entrar para a história.”

Herança medieval

Se até hoje, apesar das conquistas, as mulheres continuam sendo discriminadas, imaginem como foi a vida de Olímpia de Gouges. “Essa discriminação é constatada pela história. É uma herança que transcende a Idade Média. Os homens é que tinham o comando, a liderança, e, quando se passou do sistema medieval para o sistema industrial, essa diferença continuou”, lembra Dallari. “Uma cultura que levou Olímpia a ser julgada e condenada à guilhotina.”
O professor destaca, no livro, a revolta de Olímpia. “Ela não se conformava porque considerava a ação contra os direitos da mulher profundamente contraditória, uma vez que a Revolução Francesa era contra os privilégios do rei, da nobreza, e tinha como lema a liberdade, a igualdade e a fraternidade.”

Pintura de Olympe de autoria de Alexander Kucharsky - Imagem: Wikipédia
Olímpia de Gouges, em pintura de Alexander Kucharsky – Imagem: Wikipédia

Olímpia, no entanto, tinha uma visão de igualdade muito mais ampla. “Igualdade na Revolução Francesa significava dar os mesmos direitos aos nobres e não nobres”, esclarece o professor. “No entanto, a primeira Constituição da França, de 1791, privilegiou as pessoas mais ricas. Foi criado um órgão equivalente ao Senado, porém para ser eleito era necessária uma renda altíssima. Aí pergunto: onde estava a defesa da igualdade?”
Quando, no dia 26 de agosto de 1789, a Assembleia francesa aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a historiadora, dramaturga, escritora e jornalista Olimpía de Gouges ficou indignada. E resolveu escrever a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. “Ela tinha uma grande necessidade de se expressar escrevendo. Humanista, escreveu peças de teatro contra a escravidão. Os ricos proprietários e traficantes de escravos ficaram furiosos. Também saiu na defesa das jovens cujos pais as obrigavam a se tornarem freiras para que elas não casassem e levassem uma parte do patrimônio da família. Protestou contra os votos obrigatórios de castidade das mulheres ao entrar nos conventos. Enfim, ela tinha o dom de arranjar inimigos. E o pior: a Assembleia francesa considerou a sua defesa dos direitos da mulher uma traição ao povo.”
No livro, Dalmo Dallari apresenta detalhes da história que pesquisa há dez anos e que, por dois séculos, ficou enterrada. “Só há uns 15 anos, no contexto da discussão sobre os direitos da mulher, que Olímpia de Gouges, cujo nome era Marie Gouze, começou a despertar a atenção. Encontrei em uma das livrarias de Paris a sua biografia escrita por Olivier Blanc. Eu li e fiquei muito impressionado. Aí decidi pesquisar. Infelizmente, grande parte dos seus textos desapareceu.”
O professor apresenta a prova do livro Os Direitos da Mulher e da Cidadã por Olímpia de Gouges, que deve ser lançado em meados de novembro. “Na capa, está o retrato de Olímpia com os olhos observadores, vendo longe. A apresentação é escrita por Carmen Lúcia Antunes Rocha, atual presidente do Supremo Tribunal Federal. A minha expectativa é de que a leitura possa despertar a reflexão das mulheres e também dos homens.”


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