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Marcello Rollemberg – Foto: Marcos Santos / USP Imagens
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A Terra tem cerca de 510 milhões de quilômetros quadrados. Em 1960, sua população era de quase 3 bilhões de habitantes e, ao final da década, em 1969, esse número tinha pulado para 3,6 bilhões de almas. Apesar desses números superlativos, para um homem o planeta estava encolhendo. Encolhendo ao ponto de se tornar uma aldeia – uma aldeia global, mas ainda assim diminuta o suficiente para que todos soubessem o que seu vizinho estava fazendo ou pensando. Esse homem era o filósofo canadense e estudioso da comunicação Marshall McLuhan, que cunhou o termo no começo dos anos 1960 a partir de uma ideia: o mundo estaria se apequenando devido às novas tecnologias eletrônicas de comunicação, como os satélites e, principalmente, a televisão. Foi imediatamente compreendido? Não – mas criou um rebuliço danado e, por toda aquela década e pelas outras que viriam, “aldeia global” virou sinônimo de um admirável mundo novo de imagens e mensagens conectado via meios e formas de comunicação. Porque, se formos analisar atentamente, a década de 1960, aquela em que o planeta virou aldeia, foi a década da comunicação, o período em que começamos a ver o mundo de uma forma mais próxima – principalmente pela tela da TV e as transmissões via satélite. E não paramos mais.
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Talvez McLuhan estivesse realmente à frente de seu tempo. Afinal, ele cunhou o termo “aldeia global” muito tempo antes de sermos tomados e subordinados por redes sociais, celulares, batalhas via WhatsApp e outras traquitanas tecnológicas que passaram a fazer parte do nosso dia a dia tanto quanto escovar os dentes. McLuhan morreu em 1980, mas antecipou muita coisa e deixou um legado que até hoje provoca certa celeuma. Como outra frase clássica sua: “O meio é a mensagem”. A expressão surgiu a partir do momento em que McLuhan se propôs a analisar e explicar os fenômenos dos meios de comunicação e sua relação com a sociedade e, em vez de explicar, resolveu embaralhar o jogo e a cabeça de muita gente. De tal forma que mesmo o livro que recebeu o título da frase clássica virou uma armadilha semântica.
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O motivo? Justamente um dos livros mais conhecidos de McLuhan, ele acabou, devido a um erro tipográfico, intitulado The medium is the massage (O meio é a massagem), ao invés de The medium is the message (O meio é a mensagem). O filho mais velho de McLuhan, Eric, conta que quando o pai viu o erro exclamou: “Deixe-o em paz! É grande e bem no alvo!”. O que o estudioso canadense quis mostrar é como o meio ou o canal em que a mensagem é transmitida interfere muito mais no impacto dela do que o próprio conteúdo, conforme ele mesmo havia teorizado. Com a mudança desta última palavra, o título teria quatro leituras possíveis: message (mensagem), mess age (era da bagunça), massage (massagem) e mass age (era da massa). Uma espécie de palavra-valise. Coisa de louco (como muitos acreditavam) ou de gênio (como seus seguidores alardeavam)? Tanto faz – afinal, são esses os elementos que, dizem, todos nós temos um pouco, não?
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Mas os anos 60 não foram só McLuhan, apesar de ele ter sido um dos grandes arautos da comunicação naquele período – pelo menos o mais heterodoxo. E comunicação eletrônica, principalmente. Se a imprensa escrita teve seu momento de glória nas primeiras décadas do século 20 e o rádio ganhou espaço privilegiado nas salas e nos corações das famílias mundo afora a partir dos anos 1940, a televisão se impôs dos anos 1950 em diante. E com um papel muito mais informativo e com teor de verdade do que os meios anteriores. Afinal, se a página impressa podia trair algum tipo de transcrição equivocada, coisa que o rádio consertava mas se limitava à voz, a TV era “completa”: imagem e som a serviço da comunicação, da propaganda e de estreitar esses limites planetários a partir do momento em que o satélite artificial Telstar 1, lançado ao espaço em 1962, começou a propiciar as chamadas transmissões “via satélite”. Outros artefatos semelhantes seriam mandados para a órbita terrestre ao longo de toda a década, melhorando e aprimorando a comunicação. Na verdade, fazendo dela um personagem essencial, justamente nessa década de tantos personagens essenciais.
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Foram as transmissões via satélite na TV que mostraram a chegada aos Estados Unidos dos caixões cobertos com a bandeira americana e vindos do Vietnã. Ali, pela imagem, a sociedade americana, principalmente, tomou um choque de realidade. Os jornais e revistas podiam ter falado já a respeito. Mas a imagem pode ser um soco no queixo. E essas imagens funestas ajudaram a uma mudança de posição da opinião pública quanto a uma guerra que já veio pré-perdida.
E também foi o satélite que ofereceu a todos, no Brasil e no mundo, as cenas da chegada do homem à Lua, com imagens chuviscadas e tudo. Mas estava tudo lá: primeiro, o lançamento do foguete Saturno V. Depois, a chegada do módulo lunar Eagle (“águia”, em inglês) ao satélite natural e a famosa informação dada pelo comandante Neil Armstrong: “A Águia pousou”. E a apoteose comunicacional-planetária-astronáutica traduzida na frase, também proferida por Armstrong no momento em que pisava solo lunar: “Um pequeno passo para um homem, mas um grande salto para a humanidade”. Tudo ali, ao vivo, via satélite. E assistido por mais de 500 milhões de pessoas ao redor do globo. A aldeia estava cada vez mais explícita, mesmo que algumas vezes incoerente. No Brasil, em uma época pré-DDD e pré DDI, podia-se levar horas para se fazer uma ligação telefônica entre o Rio de Janeiro e São Paulo, via telefonista. Mas podíamos ver o homem dar seus passinhos no terreno arenoso da Lua.
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Mas tudo era espetáculo, tudo era espetacular. Não à toa, um dos grandes livros da década de 1960 – lançado em 1967 – foi A sociedade do espetáculo, do francês Guy Debord. Ali, entre uma série de epigramas, ele faz uma análise crítica da sociedade da época, e como o espetáculo era, ao mesmo tempo, uma relação social e a relação interpessoal mediada por imagens. A televisão é parte essencial desse jogo. Mas outro elemento fundamental desse espetáculo é a publicidade, para alguns pesquisadores uma “mentira metódica” – e que ganhou proeminência também nessa década que se recusa a acabar. Porque a publicidade oferecia um estilo de vida, uma outra perspectiva – e em meio às batalhas ideológicas da Guerra Fria, era a voz do sistema capitalista e seu sustentáculo. E se tornou tão importante no cotidiano das pessoas que até música ganhou.
Em 1969, os jovens Hélio Matheus e Édson Alencar compuseram a canção justamente nomeada Comunicação. “E na lua sou/mais um cosmonauta patrocinador/chego atrasado perco o meu amor/mais um anúncio sensacional”, cantava Vanusa na apresentação da música no V Festival da Música Brasileira da TV Record. Ficou em terceiro lugar (clique na imagem para assistir).
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Tudo isso hoje parece muito distante, ainda mais quando, num clique, acessamos o mundo inteiro. Mas houve uma época em que a comunicação era uma novidade todos os dias, com descobertas e inovações que pareciam coisas de ficção científica. Como uma tal de Arpanet, criada em 1969, com a intenção de – vejam só – enviar por computadores mensagens escritas e pacotes de dados, interligando inicialmente universidades americanas. Ao acessar no computador ou no celular esse texto que está chegando ao seu final, talvez o leitor não se dê conta – tão simples e corriqueiro que é ligar a internet – de que isso só é possível graças a uma ousadia comunicacional e tecnológica de 50 anos atrás. Na verdade, mais uma entre tantas.
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