Atualidade do pensamento de Marx é tema de debates na USP

De 15 a 19 de outubro, especialistas de diferentes universidades participam do “Ciclo de Conferências Marx 200”

 15/10/2018 - Publicado há 6 anos
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O pensador alemão Karl Marx (1818-1883), autor do Manifesto Comunista e de O Capital – Foto: Wikimedia Commons

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Duzentos anos depois, as teorias do filósofo e sociólogo alemão Karl Marx (1818-1883) sobre a sociedade, a economia e a política continuam a despertar interesse. Para discutir o pensamento do autor e as novas leituras de sua obra, será realizado, de 15 a 19 de outubro, o Ciclo de Conferências Marx 200, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. O evento, promovido em comemoração ao bicentenário de nascimento de Marx, é uma iniciativa de pós-graduandos dos Departamentos de Sociologia e de Ciência Política da FFLCH.

O ciclo vai reunir professores da USP e de outras instituições brasileiras, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e a Fundação Getúlio Vargas (FVG). O objetivo do evento, segundo Bruna Della Torre, doutora em Sociologia pela FFLCH e uma das organizadoras do ciclo, é promover uma discussão a respeito da obra de Marx e dos “marxismos” dela decorrentes. “Ao gosto do autor, que via uma urgência em interpretar sua época da maneira mais crítica possível e que não se detinha diante de transformações teóricas exigidas pelas mudanças impostas por seu próprio objeto – grosso modo, o capitalismo –, esse evento propõe apresentar algumas atualizações que sua obra sofreu ao longo do século 20 e no início do século 21”, diz Bruna. Dirigido a alunos de graduação e de pós-graduação e à comunidade externa, é uma oportunidade de conhecer e debater os diversos desdobramentos do pensamento de Marx, além de pensar o presente inspirado nele, acrescenta.

Detalhe do cartaz de divulgação do seminário Marx 200 – Imagem: Divulgação

“A obra de Marx é um dos marcos fundamentais não só para as ciências sociais, mas igualmente para a política dos séculos 19, 20 e, quem sabe, 21”, continua Bruna. “No âmbito das ciências sociais, a obra de Marx teve inúmeros desdobramentos. Ela serviu como modelo para a sociologia do trabalho, para a análise do Estado, para a investigação da arte e da cultura, para a crítica do capitalismo etc. Talvez seja possível dizer que ela é a tradição de pensamento mais rica no âmbito da teoria social, não só pela força e envergadura da própria obra de Marx e de Engels (Friedrich Engels, sociólogo alemão e amigo de Marx), mas pelo modo como se irradiou para todas as áreas de conhecimento nas humanidades e gerou inúmeras abordagens que se valem de sua obra para fazer suas análises. De ponta a ponta, a obra de Marx nos oferece problemas, questões e pistas para pensar a sociologia, a história, a filosofia, a economia etc.”, acrescenta Bruna.

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O marxismo em várias esferas

Marxismo e Cultura é o tema da primeira mesa do ciclo de conferências (dia 16, às 14 horas). “Embora Marx não tenha se debruçado sobre a arte e a cultura, sua obra serviu de modelo para pensar esse tema”, afirma Bruna, que também participa da mesa. “Uma vez que Marx nunca considerou o capitalismo apenas como um modo de produção, mas também como um modo de vida que estrutura não só a vida econômica, mas a vida social como um todo e a própria subjetividade, podemos enxergar no âmbito da cultura as mesmas contradições que estão presentes nas outras esferas sociais. Além disso, trata-se de refletir igualmente sobre como a cultura tornou-se um campo de força e de resistência aos processos de dominação social”, completa.   .

Edições brasileiras de duas das principais obras de Marx – Imagens: Reprodução

O professor João Quartim de Moraes, da Unicamp, será um dos participantes da mesa As Obras de Marx (dia 16, às 17h30). Ele vai analisar uma conhecida máxima de Marx – “A anatomia do homem é uma chave para a anatomia do macaco” -, que, segundo o professor, sustenta que só do ponto de vista da “forma superior” se pode discernir aquilo que a indica em “espécies animais inferiores”. “O que significa exatamente a comparação?”, questiona o professor, reproduzido a pergunta que buscará responder no ciclo de conferências.

Na mesma mesa, o professor Ricardo Musse, da FFLCH, vai abordar o livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte, redigido por Marx em 1852. “Trata-se de uma análise da revolução de 1848 na França e de seus desdobramentos, um movimento contrarrevolucionário que culminou no golpe de Estado comandado por Luís Napoleão em dezembro de 1851”, explica o professor, que vai mostrar como a interpretação de Marx daquele momento histórico fornece conceitos e instrumentos que ajudam a compreender o Brasil atual.

No ciclo, o debate sobre as obras de Marx vai tratar também da vasta produção intelectual do autor no âmbito da sociologia, da economia, da filosofia e até da literatura e mostrar sua importância para as respectivas áreas. Entre os mais importantes desses escritos estão O Manifesto Comunista (1848) e O Capital (1867-1894). “A ideia é apresentar igualmente o caráter transdisciplinar da obra de Marx, uma das razões que permitem explicar a sua penetração nas mais variadas áreas do conhecimento”, destaca Bruna.

A mesa Marxismo, Política e a Crise Brasileira Contemporânea (dia 18, às 17h30) tem como tema central os dilemas atuais relacionados à vida política brasileira. Nela, o professor Ruy Braga, da FFLCH, vai falar sobre a relação entre a crise da globalização iniciada em 2008 e a onda de violência política que se espalhou pelo mundo, com especial ênfase nos casos brasileiro e sul-africano.

“Ao contrário do que afirmam autores liberais de prestígio e mesmo alguns marxistas, o marxismo possui uma teoria política própria, desenvolvida e sofisticada, e essa teoria pode servir de instrumento para elucidar a atual conjuntura brasileira”, afirma o professor Armando Boito Jr., da Unicamp, outro integrante da mesa. “A irrupção de uma extrema-direita eleitoralmente viável no processo político brasileiro, embora possa ter surpreendido muitos observadores, pode ser explicada e, assim, melhor combatida pelo campo democrático e popular.”

O ciclo de conferências também vai discutir As Novas Leituras de Marx, tema de outra mesa (dia 19, às 17h30). Segundo Bruna, trata-se de um debate que ainda é incipiente no Brasil e que diz respeito a interpretações da obra de Marx a partir da teoria crítica de Theodor W. Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse. Nessa mesa, o professor Ricardo Pagliuso Regatieri, da Universidade Federal da Bahia, vai falar sobre a crítica do valor (Wertktitik) desenvolvida na Alemanha, especialmente enfocando um de seus principais representantes, Robert Kurz. Segundo ele, “nessa releitura de Marx por Kurz, será frisado também o papel que nela possui a teoria crítica da Escola de Frankfurt”.

Segundo a professora Zaira Vieira, da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), em Minas Gerais, que participará da mesma mesa, as novas leituras de Marx surgiram na Alemanha, na segunda metade da década de 1960, com as obras de Hans-Georg Backhaus, Helmut Reichelt e Alfred Schmidt. “Esses autores – e os que a eles se alinham, como Heinrich, Postone etc. – procuram distanciar-se do marxismo tradicional, termo com o qual designam não apenas as concepções clássicas que influenciaram o movimento operário, mas todo o chamado marxismo ocidental”, destaca Zaira. “As diversas concepções do marxismo tradicional seriam fundadas, em maior ou menor medida, sobre uma ontologia positiva do trabalho, uma leitura de Marx a partir do conceito de classe ou de luta de classes e, ainda, sobre uma leitura substancialista do valor.” Para a professora, essas análises teriam negligenciado uma compreensão mais profunda das categorias da obra marxiana.

Na programação do ciclo de conferências estão previstas ainda as mesas Neoliberalismo e Marxismo (dia 17, às 14 horas), que vai mostrar as “novidades” trazidas pelo neoliberalismo em relação ao capitalismo descrito por Marx e quais os desafios que essa nova forma impõe à interpretação teórica e à prática política, Marxismos na Periferia do Capitalismo (dia 17, às 17h30), que abordará os outros desdobramentos do marxismo, principalmente na América Latina, no continente africano e nas ex-colônias, tendo em vista a adaptação da análise de Marx às realidades e problemas locais, e Marxismos no Brasil (dia 19, às 14 horas), que tratará das mudanças pelas quais o marxismo passou para se aclimatar às novas realidades.
“É claro que o mundo se transformou significativamente desde o tempo em que Marx escreveu sua obra monumental, mas partimos do pressuposto de que, como ainda vivemos num sistema baseado na exploração do trabalho e na dominação, sua obra continua a oferecer caminhos para a investigação e a crítica da sociedade”, destaca Bruna. “Além disso, o método dialético deixado por Marx nos parece ser um método de análise crítica ainda vivo e um importante instrumento de conhecimento da dinâmica social.”
Além de Bruna, o Ciclo de Conferências Marx 200 tem como organizadores Daniela Constanzo, doutoranda do Departamento de Ciência Política, Rafael Marino, mestre em Ciência Política, Ilan Lapyda, doutorando do Departamento de Sociologia, e Eduardo Altheman, doutor em Sociologia.

O Ciclo de Conferências Marx 200 acontece de 15 a 19 de outubro, às 14 horas e às 17h30, nas salas 8 e 118 do Prédio de Filosofia e Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP (Avenida Professor Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária, em São Paulo). A entrada é gratuita, sem necessidade de inscrição. Mais informações e a programação completa podem ser obtidas no site do evento


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