Uma vitória das universidades públicas paulistas

Sylvia Caiuby Novaes é Professora Titular do Departamento de Antropologia da USP, onde leciona há 44 anos

 29/06/2018 - Publicado há 6 anos
Silvia Caiuby Novaes – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
A PEC 5 (Proposta de Emenda Constitucional) apresentada pelo deputado Campos Machado foi aprovada em 5 de junho de 2018 pela Assembleia Legislativa de São Paulo. Tornou-se então a Emenda Constitucional 46 e vem gerando uma série de debates, a maioria deles a partir de ausência de informações sobre o que ela realmente significa.

Quero aqui me deter sobre a vitória histórica que ela representa para as três universidades estaduais paulistas: USP, Unicamp e Unesp e consequentemente para a educação. A Constituição brasileira estabelece que o subsídio do governador é fixado pelo Poder Legislativo de cada estado. O governador de São Paulo, o estado mais rico da federação e que tem o mais alto custo de vida do país, é um dos que recebe o menor subsídio; inferior ao subsídio de São Paulo só os dos estados de Ceará e Espírito Santo.

Em São Paulo era até recentemente o subsídio do governador que estabelecia o teto salarial das três universidades públicas do estado: USP, Unicamp e Unesp. Não é o que acontece no Ceará, acima mencionado, em que o teto salarial, desde 2017, passou a ser 90,25% do subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Com isso, apenas o Espírito Santo tem teto salarial para os servidores menor que o de São Paulo. USP, Unicamp e Unesp são instituições que respondem pelo avanço significativo da pesquisa em ciência e tecnologia no Brasil, pelo ensino público e gratuito de excelência, com cursos que figuram entre os melhores do mundo.

De todas as universidades brasileiras a USP é a que tem a melhor avaliação no QS Ranking, com pelo menos 10 áreas específicas de conhecimento avaliadas como dentre as 50 melhores do mundo: odontologia, ciências do esporte,  arquitetura, arte e design, engenharia de minérios e minas, agricultura e silvicultura, línguas modernas, antropologia, ciência veterinária e direito. Até a aprovação dessa Emenda Constitucional o salário dos professores das universidades públicas paulistas tinha como teto o subsídio recebido pelo governador do estado, que certamente não corresponde a tudo que ele recebe – habitação, seguranças, automóveis, e muito mais não estão incluídos nos R$22.388,14 mensais. Mas este era o teto salarial de docentes das universidades paulistas que haviam atingido a titulação máxima da carreira acadêmica, após 30, 40 anos de trabalho.

Como docentes nunca defendemos a ausência do teto salarial. O que se defende é que ele seja ligado ao desenvolvimento de uma carreira e que haja isonomia no exercício da profissão acadêmica. Nesse sentido, não é admissível que colegas em universidades federais no estado de São Paulo e em outros estados da Federação recebam salários superiores ao que recebemos na USP, Unicamp e Unesp. O subsídio do governador é determinado politicamente e ele recebe inúmeras vantagens no exercício de seu cargo, não podendo servir como referência para a carreira acadêmica.

Muita desinformação já circulou na mídia. É bom que se saiba que essa emenda constitucional não aumenta salários, ela apenas estabelece um subteto salarial no âmbito do estado de São Paulo, não mais atrelado ao salário do governador, que é um cargo político, mas sim ao dos desembargadores do Tribunal de Justiça, um cargo técnico e de servidor concursado, como ocorre em todo o Brasil. Vale lembrar que essa equiparação à remuneração dos desembargadores do Tribunal de Justiça, que atualmente é de R$ 30.471, deverá ser escalonada ao longo de quatro anos (71%, 80%, 90% e 100%).

A equiparação aprovada pelos deputados da Assembleia Legislativa não se aplica a deputados estaduais e vereadores, que não são concursados e que ocupam cargos que não dependem de carreira. Importante enfatizar que não é correta a afirmação de que essa Emenda Constitucional prejudique os servidores estaduais que sofrem com baixos salários e desvalorização funcional. Os reajustes e aumentos dos profissionais da educação e de outras áreas, como saúde e segurança, por exemplo, podem e devem ter prioridade.

Sabemos que o orçamento do estado é finito. Sabemos que desde 1995 as universidades estaduais paulistas recebem 9,57% da arrecadação do ICMS. Sabemos também que o governo do estado de São Paulo não faz esse repasse sobre tudo o que efetivamente arrecada em termos de ICMS. Infelizmente, num país como o Brasil, a educação nos seus vários níveis ainda não foi considerada como prioridade política na distribuição dos recursos públicos. Em 2017 os professores das universidades estaduais paulistas nada receberam em termos de reajuste salarial. Neste ano de 2018 a proposta do Cruesp (Conselho de reitores das Universidades Estaduais de São Paulo) foi de um reajuste de 1,5%, o que é certamente irrisório face à necessidade de restabelecimento de nosso poder aquisitivo de maio 2015.

A inflação calculada pelo Índice de Custo de Vida do Dieese e não paga desde então é de 12,62%. É bom lembrar que houve a partir do ano de 2000 uma grande expansão de cursos, unidades de ensino e vagas para o ensino público. Essa expansão acarretou o aumento da estrutura física (construção de prédios, laboratórios, vias de acesso etc.) e a necessidade de contratação de mais docentes e funcionários técnico-administrativos. Houve, portanto, um aumento correspondente das despesas da universidade com manutenção, salários e verbas de permanência estudantil.

O total de cursos de graduação da USP e Unesp, por exemplo, mais do que dobrou entre 1995 e 2016: na Unesp cresceu de 80 para 173, e na USP de 132 para 279. USP, Unesp e Unicamp registraram enorme aumento do número de estudantes de graduação matriculados, que cresceu, respectivamente, 75,7%, 103,7% e 96%. A aprovação da PEC 5 como Emenda Constitucional 46 foi, efetivamente, uma vitória histórica para as universidades estaduais paulistas. Professores e pesquisadores com mais de 30 anos de carreira puderam ter seus salários equiparados ao das universidades federais. Sabemos que muito mais deve ser conquistado pelas três universidades. O orçamento do estado é sempre disputado politicamente. O fundamental seria o governo perceber que educação não é gasto e sim investimento.

 

*Este artigo foi publicado originalmente no jornal Nexo online https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2018/A-Emenda-Constitucional-46-%C3%A9-uma-vit%C3%B3ria-das-universidades-p%C3%BAblicas-paulistas, e reproduzido com sua expressa autorização.

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