Evento na USP discute a influência da Reforma Protestante

Especialistas vão discutir aspectos políticos, jurídicos e filosóficos do movimento liderado por Martim Lutero

 17/11/2017 - Publicado há 7 anos
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Especialistas de diferentes universidades vão abordar o movimento que teve influência em várias áreas da sociedade, além da religião – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Em 2017 a Reforma Protestante movimento liderado pelo monge alemão Martim Lutero (1483-1546) que levou à contestação de dogmas da Igreja e à liberdade de interpretação da Bíblia pelos fiéis – completa 500 anos. Muito além do caráter religioso, a Reforma foi também fortemente calcada em aspectos políticos, jurídicos e filosóficos, e teve influência decisiva nessas áreas. Para discutir seu impacto, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP promove, nos dias 23 e 24 de novembro, a Jornada Religião e Política – 500 Anos da Reforma Protestante (1517-2017).

“Há uma produção consistente aqui no Departamento de Filosofia e em outras áreas da faculdade que tem como tema central, ou mesmo secundário, mas com forte presença, a Reforma Protestante. Então enxergamos uma oportunidade de juntar os esforços desses pesquisadores numa data tão importante e num momento crítico do País”, afirma Silvio Gabriel Serrano Nunes, doutor em Filosofia pela FFLCH e um dos organizadores do evento, que conta com a presença de professores e pesquisadores da USP e de outras universidades.

Um dos pontos centrais da jornada é promover o debate sobre o Estado laico e a tolerância religiosa, que, para Nunes, estão em xeque atualmente no Brasil. “Temos uma série de reportagens que denunciam frequentes depredações a templos e locais religiosos, além de legislações que mitigam a secularização do Estado. Há 500 anos, os próprios reformadores sofreram com essa intolerância, então creio que seja muito importante termos essa consciência histórica e reafirmar a importância do Estado secular e da liberdade de culto e credo.”

Reforma liderada por Lutero contestou dogmas da Igreja e abriu caminho para a liberdade religiosa e política – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Outro objetivo da jornada é retomar a tradição do pensamento político dos reformadores, colocando em pauta a importância dela para áreas como a filosofia política e o direito constitucional. “Acredito que o debate em torno dos 500 anos da Reforma aqui no Brasil tenha se dado mais no âmbito confessional, o que é legítimo. Mas queremos abrir a discussão para a perspectiva histórica, filosófica e jurídica”, explica Nunes.

Alguns dos legados da Reforma Protestante nesse sentido, segundo o pesquisador, estão no cerne das ideias de Estado de direito e constitucionalismo. “Para muitos especialistas, toda a reflexão e a filosofia política que os reformadores produzem surge a partir da carta do apóstolo Paulo aos Romanos, em especial o capítulo 13, no qual o apóstolo diz que toda autoridade vem de Deus, logo, toda autoridade deve ser obedecida. Isso, em especial quando começam as perseguições religiosas aos protestantes, levanta a questão: qual o limite da obediência? Dela nascem os direitos de resistência.”

Essa resistência, de acordo com Nunes, seria qualificada por um argumento constitucional, isto é, uma via institucional, como órgãos parlamentares ou judiciais, que controlariam os desmandos dos governantes. “Inicialmente havia a pauta religiosa voltada para a liberdade, para que os protestantes exercessem sua própria fé, mas posteriormente são colocadas também questões como tributação, liberdade de imprensa, liberdade de pensamento, uma série de valores ao longo dessa tradição.”

“Naquela época, muitos teólogos eram juristas, e a ideia do pensador político se confundia com a do jurista. Então temos, por exemplo, construções teóricas justificando momentos revolucionários como a destituição de Felipe II nos Países Baixos, a Revolução Inglesa e a Independência dos Estados Unidos. Todos esses movimentos têm forte ligação com o protestantismo, com o fortalecimento dos parlamentos face aos governantes e também com a prerrogativa de juízes poderem decidir sobre a legalidade dos atos administrativos e a constitucionalidade das leis. Ou seja, a estruturação política das democracias atuais paga um tributo a essa tradição”, completa o pesquisador.

O pesquisador Silvio Gabriel Serrano Nunes – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Dentre as palestras da Jornada Religião e Política, Nunes destaca as falas do professor Luiz Felipe Sahd, da Universidade Federal do Ceará (UFC), sobre a noção de autoridade política na Reforma; do professor Sérgio Xavier Gomes, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acerca da visão do pensador Michel de Montaigne (1533-1592) a respeito das guerras de religião; da professora Silvana de Souza Ramos, da FFLCH, também abordando pensamentos de Montaigne sobre a Reforma; e da professora Maria Constança Peres Pissarra, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, sobre religião e política na Genebra do teólogo francês João Calvino (1509-1564).

A presença do protestantismo no Brasil será retratada na exposição de Ana Paula Gonçalves, mestre pela USP, sobre a experiência de uma colônia calvinista no Rio de Janeiro, na chamada França Antártica. “A formação dessa colônia calvinista, os calvinistas holandeses no Nordeste e os missionários presbiterianos no século 19 foram as principais incursões protestantes na história do Brasil, até a recente expansão dos evangélicos neopentecostais. Ela pode ser vista como um novo fôlego da Reforma no País, embora haja uma cisão com a tradição nessa vertente”, analisa Nunes.

A Jornada Política e Religião – 500 Anos da Reforma Protestante é organizada pelo pesquisador Silvio Nunes e pela professora Maria das Graças de Souza, da FFLCH. Ela ocorre nos dias 23 e 24, das 14 às 18 horas, na Sala 8 do Conjunto Didático de Filosofia e Ciências Sociais. O endereço é Avenida Professor Luciano Gualberto, 315, na Cidade Universitária. Mais informações no site do Departamento de Filosofia da FFLCH.


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