Pós-graduandos convocam paralisação contra cortes na ciência

Iniciativa da ANPG, com apoio da SBPC, busca chamar atenção para a situação crítica das atividades de pesquisa no País. Ato está marcado para o dia 26

 20/10/2021 - Publicado há 3 anos     Atualizado: 22/10/2021 as 17:00

Arte por Rebeca Alencar com imagens de PNG Tree, Sub PNG e Pixabay

A Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), com apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), está convocando uma paralisação de alunos e professores da pós-graduação para a próxima terça-feira, 26 de outubro. A ação estava prevista para o dia 20, mas foi adiada em função da leitura do relatório final da CPI da Covid no Senado Federal.

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A paralisação sucede a outra mobilização, feita no dia 15, que contou com a participação de várias entidades científicas e a realização de um debate com parlamentares ligados à Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), que tentam reverter os cortes e bloqueios de recursos impostos ao setor. O presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Evaldo Vilela, também participou da discussão e não escondeu sua “frustração” e “indignação” com os recursos de R$ 600 milhões que deveriam ter sido liberados para iniciativas de fomento à pesquisa, no dia 7, mas acabaram sendo direcionados para outras atividades, por ordem do Ministério da Economia.

Cerca de R$ 2,7 bilhões seguem contingenciados pelo governo no Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), apesar da escassez extrema de recursos enfrentada pelas instituições de pesquisa do País e de uma lei aprovada no início deste ano pelo Congresso Nacional, proibindo esse contingenciamento.

“É evidente o desmonte da ciência em curso no Brasil”, diz a presidente da ANPG e doutoranda no Programa de História Econômica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Flávia Calé da Silva, em artigo para o Jornal da USP. “Os impactos desse processo são diversos. Paralisia de pesquisas de alta relevância, redução da capacidade de fomento do CNPq, repercutindo na importação de insumos para realização de pesquisas, bolsas de estudos para mestrandos, doutorandos e doutores formados, que não encontram emprego no mercado de trabalho nacional.”

Leia a íntegra do artigo abaixo.

Por que paralisar a pós-graduação dia 26/10?

É evidente o desmonte da ciência em curso no Brasil. Acompanhamos sucessivos e crescentes cortes de recursos na área. O último, da ordem de 630 milhões de verbas oriundas do FNDCT, cujo investimento em ciência é obrigatório, gerou grande revolta na comunidade científica. E, logicamente, mais impactos negativos ao desenvolvimento da pesquisa científica no País.

Os impactos desse processo são diversos. Paralisia de pesquisas de alta relevância, redução da capacidade de fomento do CNPq, repercutindo na importação de insumos para realização de pesquisas, bolsas de estudos para mestrandos, doutorandos e doutores formados que não encontram emprego no mercado de trabalho nacional.

Flávia Calé – Foto: ANPG

Dentre as muitas consequências negativas, gostaria de me ater aos impactos na pós-graduação. A pós-graduação é o locus principal de formação de recursos humanos altamente qualificados no País. Na economia do conhecimento, que caracteriza o sistema produtivo no século XXI, são os cérebros e mentes – ou seja, pessoas muito bem formadas, capazes de produzir transformações e inovações necessárias ao aumento de produtividade – os principais ativos de qualquer nação.

Dito de outra forma, assim como o carvão foi combustível da revolução industrial no XVIII e no XIX, e o petróleo no século XX, são os talentos os motores do desenvolvimento neste século XXI.

Para o Brasil ter capacidade de desenvolver sua economia e gerar empregos nessa quadra é preciso investir na formação de um grande número de pessoas, da educação básica à pós-graduação, valorizar aqueles que escolheram a pesquisa como profissão. Por isso, defendemos a valorização da carreira científica no Brasil, desde a formação na pós-graduação.

As bolsas de estudo se encontram há 8 anos sem reajuste e perderam 60% do seu poder de compra. Ela não é uma benesse. É a remuneração desse trabalho tão importante para a nação. Os jovens doutores se encontram desempregados, subempregados e, em geral, têm dois caminhos diante dessa crise econômica: evasão da carreira científica ou aprofundar a fuga de cérebros para fora do País.

Não bastasse tudo isso, ainda enfrentamos a interrupção do sistema de avaliação da pós-graduação, que é realizada pela Capes, em função de decisão judicial, o que pode levar à desregulamentação dos cursos e um colapso do sistema.

Por tudo isso, convocamos a paralisação nacional da pós-graduação para o próximo dia 26/10. Essa realidade precisa ser discutida e soluções urgentes devem ser apresentadas. Defendemos que os recursos do FNDCT sejam investidos no reajuste de bolsas de estudo e na criação de políticas públicas que ofereçam perspectivas aos jovens doutores no Brasil. Defendemos ainda a imediata retomada do sistema de avaliação quadrienal da Capes.

Da reversão desse processo de sabotagem e desmonte dependem a autonomia tecnológica do Brasil e a superação da grave crise econômica e social que vivemos.

Por Flávia Calé, doutoranda da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG)


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