O conflito entre Israel e o Hamas tomou conta dos noticiários, e não poderia ser diferente. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), as vítimas fatais já passam das 5 mil. O Banco Mundial calcula que a população da Palestina e de Israel, somada, seja de 15 milhões de pessoas, incluindo os que moram na Faixa de Gaza. Já o Itamaraty diz que cerca de 14 mil brasileiros vivem em Israel e 6 mil na Palestina. Devido ao conflito, mais de 2 mil brasileiros entraram com pedido de repatriação. Mas fazer a repatriação é um processo de logística que envolve dois Ministérios, atende a uma série de procedimentos e indica, inclusive, aqueles quem têm prioridade.
Segundo Rubens Beçak, professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, os pedidos de repatriação só são possíveis em momentos como esse, quando o ir e vir dos cidadãos é impossibilitado. “A coisa muda de figura quando há uma época de guerra, quando as pessoas não têm a possibilidade de se locomover e, mesmo que tenham, ela não será feita da forma tradicional. A repatriação aparece nesses casos.”
Conhecidas como Operações de Recuperação de Nacionais no meio militar, as missões de repatriação são uma resposta do governo federal aos pedidos dos brasileiros em situação de vulnerabilidade. Para isso, o governo faz uma análise de conjuntura internacional, buscando entender o que está fazendo com que os brasileiros entrem com pedido de repatriação nas embaixadas e, caso seja constatada a necessidade, os Ministérios das Relações Exteriores (MRE) e da Defesa (MD) entram em ação.
Histórico de repatriações
O MRE desempenha o papel da mobilização dos brasileiros residentes no exterior através da colaboração com as embaixadas, da prestação de apoio logístico e do envolvimento em negociações com as autoridades locais. Enquanto isso, o MD é responsável pelo acionamento das Forças Armadas e pelo desenvolvimento do plano estratégico da operação militar. Isto implica aproveitar a experiência dos adidos militares – oficiais militares anexados às representações diplomáticas – credenciados nos países relevantes e alocar os recursos e equipamentos necessários para executar com sucesso a operação.
Após o desenho da missão estar finalizado, as missões de repatriação, caso seja necessário fazer mais de uma, seguem um critério de prioridade; primeiro aqueles que moram no Brasil e não tinham passagens aéreas de volta compradas. Além deles, gestantes, idosos, mulheres e crianças são prioridade. Segundo o Itamaraty, até 19 de outubro, mais de 1.200 brasileiros foram resgatados do conflito entre Israel e Hamas e, com seus respectivos donos, 24 animais de estimação também retornaram ao Brasil.
Beçak afirma que um dos motivos que explicam a rápida repatriação dos brasileiros que estavam na zona de conflito é a tradição do País em missões dessa natureza. “O Brasil tem uma tradição gigantesca, não só de receber estrangeiros em situação de vulnerabilidade, como de resgatar brasileiros que se encontram nessas situações. É uma tradição que vem desde a época do Segundo Reinado.”
Entraves para a melhora
Apesar da tradição brasileira e sua efetividade, as missões de repatriação, que deveriam estar em constante evolução e acompanhando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, encontram entraves devido à comunidade internacional. “Há sempre espaço para melhora, vide a importância da manutenção dos direitos humanos, mas isso dependeria muito do conserto mundial. Da vontade recíproca entre os países de melhorar”, explica Beçak.
Apesar de haver acordos entre os países e uma boa-fé diplomática da maioria das nações, não há um acordo internacional que reja as condições para repatriação, segundo o professor, o que dificulta as missões em si, já que não há uma obrigatoriedade de cooperação dos outros países e, principalmente, dificulta uma abordagem mais humana e sensível no atendimento aos repatriados.
Repatriação não se resume a guerras e desastres
Todavia, apesar da tradição de missões de repatriação em casos de guerra e desastres naturais, o termo também é utilizado em outras situações. “A expressão, para além dos brasileiros em áreas de conflito ou desastres, também é usada para repatriar presos no exterior, quando o país permite, e em casos de desvio de recursos, como em esquemas de corrupção, lavagem de dinheiro e até sonegação de impostos”, afirma Beçak.
No caso de repatriação de presos, essa ação só é permitida quando o país em que o crime foi cometido concorda em liberá-los. Ou seja, após o julgamento e condenação, caso o país em poder do preso permita, o Brasil pode repatriá-lo para que cumpra a pena em território nacional. Entretanto, para que isso aconteça, um acordo prévio entre os países deve existir, como é o caso, por exemplo, dos que existem entre Brasil e Suíça e Brasil e Marrocos, em que essa possibilidade de repatriação funciona para todos os países envolvidos.
Já para a repatriação de bens e recursos, o Brasil pode entrar com pedido para confiscá-los e garantir o uso desse dinheiro em território nacional. Quando essa manobra é feita por um cidadão, para que ele não sofra com uma possível acusação de sonegação fiscal, deve pagar um imposto de 15% mais uma taxa de 135% sobre o valor do imposto ao optar em deixar esses recursos fora do país.
*Estagiário sob supervisão de Ferrz Júnior
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