O Brasil apresenta um quadro alarmante quanto à mortalidade materna, cuja meta, de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), é a de alcançar o limite de 30 mortes em cada 100 mil nascimentos. No entanto, o Painel de Monitoramento de Mortalidade Materna apontou para uma relação de 107 óbitos maternos a cada 100 mil nascimentos. Esse número é expressivo quando comparado à média europeia de 17 mortes por 100 mil bebês. Esse grande retrocesso ocorreu na saúde materna como um todo durante o período da pandemia do coronavírus, conforme o Fundo de População da ONU (UNFPA) alerta.
Diante desse cenário, além da preocupação em si com a morte de mães, faz-se necessário refletir sobre os impactos psicológicos da perda e, consequentemente, do luto. Em especial, aquele enfrentado pela família e criança, na medida em que o cuidado direcionado ao recém-nascido e indivíduo, em geral, durante o seu desenvolvimento, possui um papel de extrema relevância. Maria Júlia Kovács, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre a Morte da USP, comenta que esse processo de perda tão marcante se apresenta de forma muito individual e exige uma atenção terapêutica.
Processos de luto
O processo de lidar com a morte de uma pessoa querida envolve aspectos, segundo Maria Júlia, culturais, sociais e individuais. “Os membros de uma mesma família podem viver o processo de uma forma muito diferente e com necessidades diferentes, então, além de todo o processo do luto, muitas vezes ocorrem brigas ou conflitos dentro do seio familiar por conta dessas diferenças”, pondera a professora.
Qualquer rompimento de um vínculo significativo vai exigir um período para processar os sentimentos, sem que seja visto como doença, mas algo intrínseco à existência. “É muito importante que seja autorizado, seja pela pessoa ou pela sociedade, o direito à pessoa de viver o sofrimento e todo o processo para pensar na facilitação desta readaptação na vida”, ressalta a especialista. Em casos de mortalidade materna, há especificidades acerca da perda, na medida em que, a depender de suas condições, necessita de um importante trabalho de cooperação para o cuidado do bebê.
Outro aspecto destacado pela professora relaciona-se à morte gestacional, ou seja, à perda do bebê antes mesmo de seu nascimento, visto que há muitas vezes a deslegitimação do luto pela sociedade. “Existe todo o sofrimento da mãe, do casal, da família em relação à perda porque houve um planejamento e investimento afetivo mesmo”, afirma Maria Júlia.
Reestruturação familiar
As figuras parentais exercem, na visão da professora, um papel importante na formação de um indivíduo e a perda destas pode impactar de diversas formas. Antônio de Pádua, professor do Instituto de Psicologia da USP, pondera que fatores como idade da criança e seu nível de compreensão diante da morte influenciam na forma de lidar com as perdas.
Além disso, Pádua também comenta sobre a influência dos filhos no sofrimento da família como um todo, uma vez que são uma lembrança da perda. “A família, muitas vezes, sofre pelas crianças, eles vão desenvolver um sofrimento porque começam a olhar para as crianças que restaram dessa perda e atribuem uma carga de sofrimento muito grande para eles”, considera. Assim, o suporte psicológico durante esse período é essencial para que a tristeza do luto não se torne algo demorado e excessivo. Portanto, mesmo que se trate de um sentimento natural à vida, quadros demasiados intensos devem receber a devida atenção psicológica.
Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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