O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a União deve definir destino de valores obtidos com delações ou condenações criminais em casos nos quais a lei não prevê uma finalidade específica para esses valores. Maurício Stegemann Dieter, professor de Criminologia e de Direito Penal da Faculdade de Direito (FD) da Universidade de São Paulo, explica que, apesar da maioria dos valores pagos em função de crimes terem uma destinação prevista na lei, ainda havia, na delação, uma liberalidade e falta de previsão específica de destino.
“Houve uma enorme liberalidade do Ministério Público Federal, no auge da Lava Jato, que começou a inventar destino para esse dinheiro. O MPF imaginou que poderia pegar valores que foram apropriados como produto de crime e criar um fundo para combater a corrupção. Acontece que a Constituição da República diz que os recursos capturados em um processo que diz respeito à União pertencem ao Congresso Nacional, que tem que decidir para onde vão essas verbas públicas”, afirma.
Definição do STF
O especialista explica que, após a descoberta da utilização da transparência internacional e outros órgãos bem intencionados para direcionar valores aos seus próprios interesses, o STF tomou uma primeira decisão, através de uma liminar, de ir contra isso. Decidida por unanimidade pelo STF, a liminar — agora cautelar — prevê uma definição do destino desses recursos, assim como em qualquer receita pública. Além disso, Dieter acrescenta que o Conselho Nacional de Justiça editou uma resolução na qual prevê que a destinação desse valor deve obedecer vários princípios próprios da administração pública, ou poderiam ser destinados para ações emergenciais em tempos de catástrofe, como acontece, por exemplo, no Rio Grande do Sul em função da inundação.
“Estabelecer critérios claros, regras rígidas, foi uma reação unânime desses dois importantes órgãos de manutenção da disciplina jurídica no Brasil, que são o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça, para acabar com essa arbitrariedade”, adiciona. Segundo o docente, essa ação vai ajudar a diminuir a liberalidade que havia em casos de delação e transformar os atos arbitrários em discricionários com critérios.
O professor entende que o Ministério Público tem a função constitucional de promover a denúncia dos crimes e, se necessário, utilizar mecanismos alternativos, de caráter negocial, que podem mediar esses conflitos para não resultar em condenação. Contudo, isso se tornou um problema ao ser usado na Lava Jato, já que o modo pelo qual isso se articula era inédito. “Havia um grande apoio do público e da mídia, de que valia tudo no combate à corrupção, mas não pode valer tudo porque isso é a sua própria definição, a corrupção dos meios para atingir um fim”, diz.
Nesse sentido, Dieter afirma que, na delação, parte do dinheiro era devolvido para os próprios relatores, o que poderia indicar uma lavagem de dinheiro do Ministério Público. “É uma maneira que o Estado legitima a própria subtração dos cofres públicos, então, um pouco de disciplina vem, ainda que tardiamente, muito bem para regulamentar esse tipo de relação”, finaliza.
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