O Rodoanel Governador Mário Covas, prometido como solução para aliviar o trânsito de São Paulo, é alvo de uma complexa discussão sobre sua eficácia no longo prazo. Para o professor Claudio Barbieri da Cunha, da Escola Politécnica (Poli) da USP, o problema não está na capacidade de a via atender à demanda atual, mas em um fenômeno observado globalmente: grandes obras viárias tendem a estimular o crescimento urbano em seu entorno, o que, no médio e no longo prazo, anula os ganhos de fluidez no trânsito. “Nenhuma via, no longo prazo, vai atender à demanda”, reitera.
Um ponto crucial levantado pelo especialista é a falta de mecanismos de controle e tarifação associados a obras como o Rodoanel. “Isso acaba estimulando muito a demanda, porque sinaliza para a sociedade que ela pode se deslocar mais longe a custo muito baixo, que não significa só o que se gasta, mas também o tempo. Essas obras precisam ser acompanhadas de outras medidas que normalmente não são muito populares, mas que são adotadas em outras grandes capitais”, comenta.
Ele cita o exemplo de Londres, que implementou a congestion charge — uma taxa para reduzir o fluxo de veículos nas áreas centrais. Segundo Barbieri da Cunha, o Brasil ainda precisa avançar nesse tipo de discussão, que frequentemente é desviada para temas como carga tributária e falta de transporte público.
Rodoanel incompleto
O trecho Norte do Rodoanel, atualmente incompleto, exemplifica os desafios enfrentados pelo projeto. Essa parte, crucial para tirar caminhões da Marginal Tietê — que permanece congestionada, mesmo com o acréscimo de novas faixas nos últimos anos —, foi adiada devido a preocupações ambientais, já que atravessa áreas sensíveis como mananciais e o sistema Cantareira. Cunha afirma que a sobrecarga da Marginal Tietê ressalta a importância do trecho Norte, mas os atrasos na conclusão dessa etapa continuam prejudicando a efetividade do projeto como um todo.
“A construção desse trecho acabou ficando por último por causa de muitas discussões. Se ele é muito distante de São Paulo, depois da Serra da Cantareira, desvia muito e vai ser pouco atrativo. Se é mais próximo da metrópole, antes da Serra da Cantareira, fica muito caro porque precisaria desapropriar muita área urbana”, complementa. O professor explica que uma alternativa tomada foi a decisão de incluir túneis nesse trecho, que inclusive impede ou dificulta ocupações desordenadas no entorno do Rodoanel, já que ele pode se tornar um atrativo para a expansão urbana. Apesar disso, ele reconhece que mesmo obras viárias planejadas, com restrições, tendem a atrair ocupações espontâneas, muitas vezes irregulares e proibidas.
Barbieri da Cunha afirma que a construção do trecho Norte talvez fosse a medida prioritária do Rodoanel — muito em relação à retirada dos caminhões da Marginal Tietê —, mas alerta sobre a possibilidade de a obra incentivar moradores a se deslocarem para regiões mais distantes em busca de terrenos baratos. “Como vamos fazer para evitar que esse Rodoanel não acabe sendo uma via rápida? Esse é um desafio que ainda não encontramos”, reflete. A obra, embora essencial, só será verdadeiramente eficiente se acompanhada de medidas complementares que enfrentem a complexidade da mobilidade em uma metrópole como São Paulo.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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