Resposta imediata da democracia brasileira vem repercutindo favoravelmente no exterior

Pedro Dallari e José Álvaro Moisés comentam pontos que consideram necessários para a garantia da democracia brasileira e apostam na conciliação como forma de reconstruir a relação entre governo e oposição

 16/01/2023 - Publicado há 2 anos
O que vai consolidar o novo governo e mostrar a vitalidade da democracia brasileira será a realização de um governo dinâmico, ativo e integrado internacionalmente  – Foto: Flikck
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A invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, no dia 8 de janeiro, em Brasília, repercutiu em solo nacional e internacional. O prejuízo material foi enorme, com a destruição de quadros, vidraças, móveis e objetos históricos, mas o valor simbólico dos atos golpistas marca também uma ameaça à democracia brasileira. Os ataques aos prédios dos Três Poderes tiveram estímulos políticos, financeiros e ideológicos, em uma cena nunca antes vista na história do País. Em resposta, o governo federal decretou intervenção federal na segurança pública no Distrito Federal (DF) e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, afastou Ibaneis Rocha do cargo de governador do DF.

“De uma hora para a outra o mundo se viu perplexo diante de um quadro que se desfez. A democracia passou a estar em crise, a situação ambiental se deteriorou imensamente, o Brasil se isolou no mundo”, comenta o professor Pedro Dallari, do Instituto de Relações Internacionais da USP e membro da Comissão de Direitos Humanos da Universidade.

Impacto

Dallari coloca que lidar com esses atos é um grande teste para o governo eleito, sobretudo na tomada de medidas imediatas. Além da movimentação brasileira, o posicionamento de líderes mundiais como os presidentes Emmanuel Macron, da França, e Joe Biden, dos Estados Unidos, é fundamental para o combate de ameaças ao regime democrático. “No próprio dia da eleição do presidente Lula, já houve uma manifestação de reconhecimento da sua vitória eleitoral por importantes líderes de países relevantes do mundo. Eles endossaram o processo eleitoral brasileiro, declarando apoio ao mesmo, que consideraram absolutamente lícito e bem realizado. Agora, com os eventos criminosos do dia 8, também voltaram a se manifestar enfaticamente em favor do governo brasileiro e da defesa da democracia. Essa sucessão de apoios tem sido muito importante para evitar realmente que haja uma degeneração da situação política brasileira”, pontua o professor.

Pedro Dallari – Foto: Marcos Santos/ USP Imagens

Existe uma grande preocupação sobre a repercussão de atos como os ocorridos em Brasília devido à representatividade brasileira no assunto, como Dallari acrescenta: “A preocupação é que isso possa ter impacto, eu diria não só na América Latina, mas do ponto de vista global, pelo simbolismo do Brasil. Ele foi um país que, quase desde a redemocratização, foi visto como uma grande referência no mundo, consolidando a democracia, avançando do ponto de vista da integração econômica e da preservação do meio ambiente”. 

Democracia

A invasão do Capitólio, o centro legislativo estadunidense, por apoiadores de Donald Trump, que era presidente na época, em 6 de janeiro de 2021 é semelhante à invasão dos Três Poderes. “Essa semelhança é indiscutível e, portanto, é perfeitamente razoável que as pessoas queiram identificar algum paralelismo. Agora, há uma diferença que eu acho fundamental e que faz com que a situação do Brasil seja mais grave do que a dos Estados Unidos. Embora tenha havido essa ação nos EUA, as instituições principais se mantiveram o tempo todo ao lado da democracia: em nenhum momento as Forças Armadas norte-americanas ou as forças de segurança hesitaram na defesa da democracia e deram qualquer tipo de respaldo àquela aventura insana. Isso não aconteceu no Brasil, infelizmente. Isso levanta muita preocupação, porque são estruturas indispensáveis para o Estado e é fundamental que elas, de maneira alguma, conspirem contra a democracia”, explica Dallari. Existe muita preocupação quanto à questão das Forças Armadas, já que são estruturas indispensáveis. 

O professor comenta alguns pontos necessários para a retomada da democracia brasileira, tanto em seu caráter nacional quanto internacional: “O que efetivamente vai consolidar o novo governo e mostrar a vitalidade da democracia brasileira será a realização de um governo dinâmico, ativo e integrado internacionalmente, que consiga ter uma política econômica inclusiva. Enfim, essa volta do Brasil ao multilateralismo que havia sido colocado em segundo plano no governo Bolsonaro é um fato muito importante e é por aí que vamos superar esse quadro de crise: para que a própria população brasileira tenha a segurança de que há um governo que está agindo no sentido do seu melhor interesse”, ele completa.

Falta de resposta rápida e eficaz

José Álvaro Moisés, professor de Ciência Política na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e diretor do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP (NUPPs), também comentou o episódio do último dia 8. Ele argumenta que diferentes instituições de segurança foram advertidas da possibilidade dos atos golpistas no domingo (8): “Evidentemente, o governo do Distrito Federal tinha informação do que estava sendo programado e uma parte do governo federal também sabia”, afirma ele ao explicar que o ministro da Justiça, Flávio Dino, enviou um ofício a Ibaneis Rocha avisando sobre o risco de violência nas manifestações.

José Álvaro Moisés – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“Por que não houve mobilização mais explícita e devidamente adequada tanto da Polícia Militar do Distrito Federal como também das Forças Armadas, que tinham conhecimento do que estava acontecendo?”, indaga o professor. Ele sugere que as autoridades, especialmente as Forças Armadas, tinham conhecimento da articulação golpista que fecundou nos acampamentos na frente dos quartéis-generais. 

Além da depredação do patrimônio histórico e da destruição de símbolos importantes do governo e da sociedade brasileira, Moisés ressalta que a intenção primária dos terroristas era uma tentativa de golpe. “É claro que o que ocorreu em relação ao governo eleito foi uma tentativa de solapar uma decisão do eleitorado brasileiro, de destruir uma decisão soberana dos eleitores brasileiros, que elegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, elabora.

Desafios para o governo Lula

Tanto em seu primeiro pronunciamento após o resultado das eleições presidenciais de 2022 como no discurso à Nação, no Palácio do Planalto, Lula destacou que iria governar para todos. Esse é o primeiro grande desafio do governo, para o professor Moisés. “A própria manifestação que o governo fez, no seu principal objetivo, é de pacificar o País e, de alguma maneira, governar inclusive para os segmentos que votaram no Bolsonaro”, relembra. No contexto de polarização ideológica e violência política, o desafio é de pacificação.

As autoridades, especialmente as Forças Armadas, tinham conhecimento da articulação golpista que fecundou nos acampamentos na frente dos quartéis-generais – Foto: Marcos Corrêa/PR via Flickr

Um segundo ponto levantado por ele é manter a continuidade da frente ampla angariada durante as eleições gerais, mas, dessa vez, em defesa da democracia e funcionamento eficaz do governo. “O presidente Lula foi eleito não só por partidos de esquerda, mas por muitos segmentos democráticos liberais. O governo tem que ter condições eficazes para poder desenvolver os seus planos”, indica ele sobre as questões da retomada da economia, a criação de empregos e enfrentamentos das desigualdades sociais. Em contraponto, as recentes eleições exibiram um fortalecimento da ala conservadora do Congresso, um “quadro de tensão” para as próximas negociações.

No que diz respeito às conversas com esse grupo, o professor avalia: “Eu acho que o governo já deu suficientes demonstrações que tem uma posição de diálogo com as forças de oposição”. A PEC da Transição, que permitiu o aumento no teto de gastos para bancar despesas de políticas sociais, foi uma demonstração da articulação política efetuada pelo governo Lula, na visão do diretor do NUPPs. 

Com um Congresso voltado para a direita, inclusive com segmentos de extrema-direita apoiados por Bolsonaro, o professor aponta que o contexto terá modificações. “A grande questão que eu vejo é conseguir que esses partidos (MDB, União Brasil e PSD) se mantenham em apoio à base do governo para poder enfrentar a oposição”, complementa ele, mencionando os partidos que não apoiaram diretamente a campanha presidencial de Lula nas eleições do ano passado.

Ressignificado

O professor conclui que, por meio da conciliação, o início do governo Lula é uma oportunidade de reconstruir a relação entre governo e oposição. “Tem que se demonstrar para a sociedade que há uma disposição de diálogos e entendimento em função dos grandes objetivos nacionais. E isso supõe uma persuasão da parte do governo”, desenvolve. Após a invasão aos Três Poderes, as relações com a oposição também devem passar por explicações à população, de acordo com ele: “Até onde vai a sua concordância, até onde vai o seu entendimento, e onde existem discordâncias que são legítimas?”, questiona.


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