Projeto de lei federal que veda mudanças à “Bíblia” pode ser inconstitucional

A proposta do deputado Pastor Sargento Isidório está mal formulada e contém contradições internas, na opinião do jurista Elival da Silva Ramos

 08/12/2022 - Publicado há 2 anos
A lei visa à pregação na íntegra dos conteúdos da Bíblia por todo o território nacional e, caso não cumprida, não fornece qualquer tipo de punição – Foto: Reprodução/YouTube
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Um projeto de lei de 2019, que restringe qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia, de autoria do deputado Pastor Sargento Isidório (Avante/BA), foi aprovado em novembro pela Câmara dos Deputados e agora deve seguir para aprovação no Senado. Essa lei visa à pregação na íntegra dos conteúdos da Bíblia por todo o território nacional e, caso não cumprida, não fornece qualquer tipo de punição. 

Lei mal formulada 

O problema, porém, é que a medida pode ser inconstitucional. Elival da Silva Ramos, professor titular de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP, explica que, como previsto na Constituição, o Estado não pode legislar em assuntos religiosos. Levando em consideração que o Estado brasileiro é laico, significa que tanto a intromissão em questões religiosas como manter relações diretas com instituições religiosas são proibidas por meio do artigo 18 da Constituição. “Há ali, a meu ver, uma violação à liberdade religiosa, porque acaba sendo um Estado fazendo um papel que deveria ser [de âmbito] privado”, diz o professor.

Elival da Silva Ramos – Foto: Ricardo D’Angelo

Outra questão é: todo ato legislativo deve ser apto a atingir a finalidade a que se propõe. O projeto de lei não especifica quais vertentes religiosas essa lei atingiria, sendo que cada uma tem suas próprias especificidades. “O texto é totalmente inaplicado, então a lei não tem condições de aplicação, independentemente da questão da solução [do problema das especificidades]”, explica Elival Ramos. O professor, por conta disso, classifica esse problema como Inconstitucionalidade Finalística. 

“Uma lei que é inaplicável por suas próprias contradições internas é inconstitucional”, completa o professor. Para que seja sancionado, o projeto ainda precisa passar pelo Senado, que pode escolher não passar a proposta. Em última instância, e caso seja aprovada pelo Senado, cabe ao presidente – que muito provavelmente será o recém-eleito ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – utilizar-se ou não do veto.

Igreja x Estado

O Brasil nasceu católico apostólico romano, religião oficial do Império Português, porém, hoje, é laico. Isso significa que, mesmo respeitando todas as religiões e eventualmente citando frases cristãs, o Estado não adota uma religião oficial obrigatória. 

Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil, sancionou o Decreto N° 119-A em 7 de janeiro de 1890, logo após o estabelecimento da República. Ele proíbe “a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providências”. O próprio artigo 1 declara que fica proibido às autoridades federais expedir leis, regulamentos ou atos administrativos em relação a isso. A separação Igreja-Estado é uma questão histórica.


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