Desafios para a governabilidade em 2023

governabilidade em 2023

 03/11/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 23/11/2022 às 15:11

Texto: Redação

Arte: Ana Júlia Maciel

Retomada do desenvolvimento científico depende do incentivo à pesquisa e à tecnologia

Professor Hernan Chaimovich ressalta a integração entre o meio acadêmico e a indústria como possível alternativa na reorganização para a retomada da ciência no País

A chegada do novo governo terá a missão de reconstruir o Ministério da Ciência, um dos mais atingidos por cortes de verbas nos últimos anos. As novas estratégias para o desenvolvimento da produção científica e a recomposição do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico no País envolvem o incentivo à pesquisa e à tecnologia. 

O professor Hernan Chaimovich, do Instituto de Química da USP e presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), esclarece que a ausência de uma política voltada para a produção científica é razão da necessidade de reconstrução do ministério. Outro tópico levantado por ele é o desmonte não somente do ministério em si, como da parte financeira responsável pelo incentivo da produção científica: “O Brasil tem toda potencialidade para ser ou voltar a ser uma potência em ciência, tecnologia e inovação. A principal preocupação deveria ser a reconstrução do sistema de apoio à ciência”, adiciona ele. 

Hernan Chaimovich - Foto: Francisco Emolo / USP Imagens

Chaimovich coloca tais questões como um problema de ordem estrutural, já que já houve um aumento na produção científica, se forem deixados de lado os últimos três anos, sem necessariamente existir um aumento na visibilidade da importância ou do impacto das produções. Setores como a Biologia Molecular e a Virologia são destaques em pesquisas brasileiras, que foram fundamentais no enfrentamento da pandemia, mas que ainda estão “longe de atingir a média da qualidade mundial”, esclarece o professor.

Ao mesmo tempo, universidades e institutos são centros de produção de conhecimento, mas que podem ser potencializados com parcerias com empresas. Porém, ainda que o País tenha estimulado o fomento de pesquisas em empresas, são poucos os pesquisadores empregados. No que se refere aos pesquisadores, a manutenção e reajustes de bolsas também são pontos de atenção. Se, antes, a quantidade de doutores formados era quase correspondente ao número de pesquisas em desenvolvimento, como é colocado pelo professor, esse dado tende a diminuir. Há tempos não ocorre aumento nas bolsas.

Possíveis alternativas

A preocupação deve focar no financiamento, a partir de um apoio à ciência, tecnologia e inovação. A restruturação da maneira como ocorre a produção de conhecimento e a reorganização do orçamento destinado à ciência são pontos chaves. 

Chaimovich salienta que isso deve ser feito a partir de uma ponte entre as universidades e o setor produtivo. Ele comenta: “Para mudar totalmente a posição da produção de conhecimento desse país, é fundamental haver associação com a visão internacional”,  já que o Brasil ainda possui características de um país que exporta conteúdo bruto, que poderia ser potencializado ao ser lapidado, a fim de agregar mais valor na produção científica do País. “O Brasil tem que repensar como integrar a produção do conhecimento ao seu desenvolvimento econômico “, finaliza.

COP 27: O Brasil está de volta

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Brasil de volta às discussões globais sobre o clima

Pedro Luiz Côrtes repercute a participação do presidente eleito na COP27 e analisa os principais pontos da conferência para a preservação de florestas

A Conferência do Clima da ONU (COP27) colocou o Brasil de volta às discussões globais sobre as alterações climáticas com certo protagonismo ambiental. Com a volta do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o País obteve boa receptividade entre os atores internacionais importantes, recebendo a possibilidade de sediar a próxima edição da Conferência (COP30), na Amazônia.

Nesta edição, entre os principais pontos de destaque desenvolvidos pelo grupo está a Coalizão pelas Florestas. No mundo e no Brasil ainda há a expectativa da criação de um Ministério ou mesmo uma Secretaria especial voltada às mudanças climáticas, após a criação do Ministério dos Povos Originários, por parte do governo Lula, além do anúncio de quem será responsável pelo Ministério do Meio Ambiente. 

Floresta amazônica em Macapá - Foto: Greenpeace

No Brasil

O presidente eleito insiste no tópico de desenvolvimento ambiental, ao defender o uso de recursos naturais provenientes da floresta amazônica de forma sustentável: “A floresta é um grande laboratório farmacêutico, com potencial para ser utilizada no combate a uma série de doenças”, destaca Côrtes. A Amazônia é fundamental nos efeitos climáticos e seu desmatamento “tem provocado uma recuperação muito lenta”, o que é observado nas alterações climáticas, na umidade do ar e no déficit de chuvas. 

“É extremamente importante que a gente inicie essa recuperação o quanto antes. Cessando, de imediato, o desmatamento, e ampliando as áreas recuperadas dentro do arco de desmatamento”, finaliza Côrtes.

Brasil e os desafios no Meio Ambiente

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Historicamente o Brasil foi industrializado não para exportar, mas para a produção local

Com uma queda da participação no PIB e alta tributação, a indústria nacional nasceu defasada e continua perdendo força

O novo presidente, que vai assumir em 2023, deve enfrentar muitos problemas, dentre eles o da desindustrialização. “Ela pode ser entendida como a perda relativa da participação do que é produzido na indústria no total da produção de um país, ou é a perda da participação do emprego industrial no emprego total”, explica o professor Mário Sérgio Salerno, do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP.

Mario Sergio Salerno - Foto: Researchgate

Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria, o problema, que se agravou nos últimos dez anos, vem acontecendo desde 1990. A indústria de transformação passou de 36% de participação no PIB em 1985 para apenas 11% no final de 2021, diz o professor. Em todos os lugares, ela está perdendo emprego e volume de produção para o setor de serviços.  

O Brasil perdeu muito mais rápido que os outros países: “Era mais ou menos 2.8%, foi para 1.3% da participação da produção brasileira industrial no total da produção do mundo. Uma queda em 30 anos bastante acentuada”, diz Salerno. Esse cenário é ruim, ao passo que a indústria é a grande produtora de inovação: 65% do investimento em pesquisa e desenvolvimento, que geram inovação, vem da indústria de transformação. 

Em suas falas, Lula diz que essa situação é uma das mais importantes a serem revertidas. O País tem problemas estruturais de longo prazo, que vão além do ajuste fiscal, e a indústria é um deles.

Histórico

O Brasil teve uma rápida industrialização após a Segunda Guerra Mundial com o desenvolvimento da indústria de base e, mais tarde, com a entrada das mais leves durante o governo de Juscelino Kubitscheck. Ele queria atrair fábricas de multinacionais. O País foi industrializado às avessas: não para exportar para o mundo, mas para a produção local. O tecido industrial nacional é amplo e diversificado, mas é dominado pelas multinacionais. Isso não seria um problema, se houvesse, por parte delas, desenvolvimento de pesquisa em inovação. 

“A empresa de capital nacional tem esforço para inovar 81% maior do que a empresa de capital estrangeira. Isso porque ela não tem opção: ou ela desenvolve alguma coisa aqui ou compra a tecnologia”, enfatiza o professor. Mesmo que essas pesquisas demorem anos para serem desenvolvidas e implementadas, é isso que atualiza a indústria. 

No governo de José Sarney, com a criação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o setor passou a ter políticas mais assertivas para a inovação. Da mesma forma, a trajetória seguiu durante os governos anteriores de Lula, que passou a Lei de Inovação Tecnológica, a “Lei do Bem” (incentivo fiscal a empresas que desenvolverem pesquisa e desenvolvimento em inovação) e com financiamentos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Porém, essas medidas não foram suficientes para frear o fenômeno da desindustrialização. 

Melhorias

As formas de reverter esse cenário, segundo Salerno, são: melhorar a educação; fazer uma reforma tributária – a indústria é muito penalizada, sendo um dos setores que mais pagam impostos no País –; e equalização da tributação e criação de políticas orientadas à missão de inovar. 

O professor lembra que o conjunto de empresas desse setor é especializado em commodities, mas promissoramente algumas delas estão tentando sair disso, o que deve ser estimulado. Um exemplo são as indústrias de celulose, química, assim por diante. 

Ele faz uma última observação:“Eu acho que a gente precisa colocar o pé na onda verde. Isso a gente fala há décadas, né? Que não apenas é fundamental deixar a floresta em pé, é [preciso] aproveitar os insumos naturais para a produção industrial sustentável”. Assim, segundo ele, “a gente consegue construir uma indústria para o futuro e não a indústria para o passado”. 

Processo de transição é importante passo para o início do próximo governo

Segundo Fernando Coelho, as transições variam e três são destaque: a de mandato, a de gestão e a de poder

Por mais que as eleições já tenham terminado, a transição governamental está apenas começando. 

“[A transição dos governos] pode ficar entre 60 dias, se [a eleição] terminar no primeiro turno, e 90, se terminar no segundo. É um período que muitas vezes nós não damos atenção, mas ele é fundamental para a continuidade administrativa dos governos, para antecipar o processo de planejamento numa eleição polarizada. Aquele período de ‘lua de mel’ do candidato eleito com a sociedade tende a não durar muito, porque o governo eleito já não se inicia com tanta popularidade”, comenta o professor Fernando Coelho, coordenador do curso de Gestão Pública da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. 

Coelho considera esse período importante para a relação entre governo atual, eleito e a sociedade: “É um período fundamental para a passagem de bastão entre o governo a ser encerrado e o governo a ser iniciado, envolvendo, por exemplo, a troca de informações, adaptação do plano de governo apresentado durante as eleições. Nós sabemos a necessidade de adaptação do orçamento, porque o governo eleito vai encontrar a lei de diretrizes orçamentárias e estamos tendo a discussão da continuidade do auxílio”.

Governos

As transições variam e três são destaque: a de mandato, a de gestão e a de poder. A troca de mandato corresponde à reeleição. Segundo o professor, ela pode até ser uma troca mais profunda: “É uma continuidade administrativa importante, mas isso envolve igualmente transição de governo, porque, às vezes, está tendo uma adaptação no grupo político ou mesmo na prioridade das políticas públicas”. Ela ocorreu em 18 unidades federais. Em seis Estados a transição foi de gestão. Coelho diz que ela ocorre se o eleito for aquele apoiado pelo atual governante

Fernando de Souza Coelho - Foto: IEA

A de poder ocorreu em três locais: sendo destaque o Estado de São Paulo. A mudança de partidos a caracteriza e, para a região paulista, foi entre o PSDB, presente por 28 anos no governo de São Paulo, e o PR, de Tarcísio de Freitas. “No caso de São Paulo, como nós não tivemos uma transição de governo havia muito tempo, ela não era, até então, regulamentada em termos de um projeto de lei. Mesmo assim, eu creio que a transição deve ocorrer com bastante equilíbrio e estabilidade, já que o próprio governador Rodrigo Garcia já designou a equipe de governo que faria toda a passagem de informação ao governador eleito, o qual também já começou a estruturar sua equipe de trabalho. Além disso, embora sejam de grupos políticos diferentes, o governador Rodrigo Garcia, no segundo turno, acabou apoiando o governador eleito Tarcísio de Freitas”, analisa o professor.

Coelho ressalta que foi no governo federal onde realmente houve, de fato, alternância  de poder.

Modelo

Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil no atual governo, foi quem teve de anunciar a transição para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, já que o atual presidente, Jair Messias Bolsonaro, não deu nenhum indicativo de que irá colaborar com o processo.

Coelho comenta que a equipe de transição do governo atual deve ser baseada no modelo expresso na lei: “Uma lei federal de 2002 virou referência não apenas nacional, mas também internacional, porque ela prevê 50 cargos transitórios, que são pessoas nomeadas pelo governo eleito e mantém ali uma equipe de trabalho profissional. Esses cargos permanecem até dez dias depois da posse, ou seja, eles vão ser extintos apenas no dia 10 de janeiro, então você consegue formar uma equipe de trabalho profissional em torno de 60 dias para fazer muito bem essa passagem de bastão”.

Quanto ao próximo governo, Geraldo Alckmin, vice-presidente de Lula, foi declarado coordenador da transição. Foram escolhidos 31 temas diversos e, além dos integrantes nomeados, voluntários podem participar: “Além de 50 pessoas que vão ser nomeadas, eles estão prevendo a participação de muitas pessoas voluntárias que vão se juntar a esses coordenadores de eixos temáticos para trabalhar na confecção desses relatórios setoriais. Esses relatórios provavelmente vão conter uma avaliação das políticas, para uma tomada de consciência a partir de um maior detalhamento de como está a situação. Isso não quer dizer que depois essas pessoas vão para os respectivos Ministérios”, pontua o professor.

A transição é um momento crucial, porque determina o início do governo e também algumas atitudes futuras a serem tomadas pelos governantes, como ressalta Coelho: “[É preciso] destravar alguns processos que, às vezes, não dependem só de uma decisão técnica ou orçamentária, mas que vão também depender de relações políticas e de uma reconstrução de governabilidade. Nesse sentido, podemos afirmar que, além de todo esse processo de transição formal, nós também temos um processo de ‘transição informal’ na relação do governo eleito com o Parlamento, para que promessas de campanha possam ser executadas já no início do próximo governo”.

FINANCIAMENTO DO SUS ESTÁ ENTRE OS DESAFIOS DO NOVO GOVERNO NA ÁREA DA SAÚDE PÚBLICA

 Reestruturação de políticas e resgate da democracia participativa são outros pontos importantes defendidos pelo professor Fernando Aith

O resultado da eleição repercute também no âmbito da saúde pública. O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva possui desafios consideráveis a serem enfrentados nessa área.

“O Brasil tem uma capacidade no campo da saúde que é invejada por muitos países. A capilaridade do sistema público de saúde é algo impressionante: ele tem postos de saúde, pronto socorro, ambulatórios especializados e hospitais espalhados por todo o Brasil. Ainda não é o ideal, mas a gente tem uma rede regionalizada e hierarquizada de serviços públicos de saúde capaz de oferecer uma atenção à saúde de qualidade, resolutiva e eficaz para o cidadão. Isso ficou muito demonstrado e provado durante a pandemia. Mas agora, com a pandemia diminuindo, os problemas começam a aparecer”, pontua o professor Fernando Aith, da Faculdade de Saúde Pública da USP e diretor do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da USP.

Mesmo que o sistema público de saúde brasileiro seja um exemplo no cenário internacional, o novo governo enfrentará desafios para reestruturá-lo e melhorá-lo.

Desafios

Fernando Aith - Foto: ResearchGate

“Podemos dividir os desafios em três grandes eixos principais: o primeiro seria o financiamento do Sistema Único de Saúde. O SUS sofre com subfinanciamento, na verdade, desde que ele foi criado em 1988. São eternas as discussões de como financiar adequadamente um sistema público universal, solidário e gratuito para 215 milhões de pessoas e, até hoje, não achamos a boa equação de financiamento do SUS”, analisa Aith. 

Esse quadro foi agravado com a emenda constitucional número 95, aprovada durante o governo de Michel Temer, em 2016. Ela limitou os gastos primários da União e sufocou ainda mais o financiamento da área da saúde. “ Esse sufocamento foi relativamente resolvido com a pandemia, mas não serviu de nada, porque o dinheiro que veio para o SUS para pandemia foi para a pandemia e acabou agora. A gente volta ao cenário anterior, que é um cenário de restrição bastante radical, um subfinanciamento crônico que o novo governo vai ter que enfrentar”, esclarece Aith

O segundo, conforme o professor, é reestruturar as políticas, sobretudo a política de atenção básica. A carência de médicos é um fator importante dentro desse obstáculo. A implementação de políticas de saúde mental, principalmente após a pandemia, e a retomada com o Programa Nacional de Imunização somam-se à lista: “Estamos muito preocupados com a baixa taxa de vacinação de doenças que geralmente a gente tinha um bom quadro vacinal. A própria poliomielite, o sarampo, dentre tantas outras que estão no nosso calendário anual de vacinação e que foram muito negligenciadas nesses últimos, pelo menos, cinco anos”. 

O último eixo diz respeito à democracia: “O terceiro eixo é resgatar a democracia participativa, é o que eu chamo de democracia sanitária. É resgatar os órgãos colegiados que existiam dentro do SUS, dentro do Ministério da Saúde, para discutir os grandes problemas nacionais de saúde e encontrar as melhores soluções, que são sempre dadas quando a gente tem um bom debate público com todos os especialistas, pacientes e associações interessados participando”, explica Aith

Soluções

“O financiamento, os recursos do SUS saem do Tesouro. É uma solidariedade pública nacional: nós pagamos impostos e, com dinheiro desses impostos, a gente financia esse sistema público universal e gratuito”, comenta o professor. Algumas soluções possíveis para os desafios seriam aumentar os recursos do Tesouro por meio de uma maior participação do Governo Federal e dos Estados, já que Aith aponta que os municípios são os que mais investem, proporcionalmente, nesse sistema.

Além disso, existem debates voltados para a melhor aplicação dessas verbas e para a incorporação de novas tecnologias. O professor cita o exemplo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, que foi muito sucateada durante o atual governo. A atuação dela precisa ser autônoma e participativa, mas sofreu muita pressão política, como no caso da cloroquina.

Aith acrescenta: “Para aplicar as verbas onde nós mais precisamos, precisamos usar a ciência, os dados epidemiológicos para entender quais são as nossas prioridades e necessidades de saúde. Destinar os recursos públicos, que são finitos, da melhor forma possível para financiar esse sistema é um dos grandes desafios que nós temos hoje”.

Os horizontes políticos  para o governo Lula

O novo governo estará diante do desafio de fortalecer a democracia, recuperar o dinamismo da economia e trabalhar pela justiça social no Brasil

https://www.youtube.com/watch?v=9czf0f31tlE&ab_channel=CanalUSP

Problemas da educação não se restringem a faixas etárias, mas a toda a cadeia educacional

O alerta é de Daniel Cara, que lembra que o Brasil enfrenta hoje um déficit na educação, seja no repasse de verbas, seja na alfabetização; pensar no caminho da creche até o ensino superior é essencial

O novo governo, que assume em 2023 terá, entre outros desafios, o da educação. O Brasil foi o país com o maior tempo de escolas fechadas durante a pandemia e o orçamento para a educação é o menor em 10 anos. Os problemas, portanto, não são fruto de apenas quatro anos de governo Bolsonaro e, como afirma o professor e coordenador dos cursos de licenciatura da Faculdade de Educação, Daniel Cara, começaram ainda no governo Michel Temer. 

“É importante dizer que esses problemas inclusive são cumulativos. O governo Bolsonaro sucede ao governo Michel Temer, que tinha apresentado a Emenda à Constituição 95/2016, promulgada pelo Congresso Nacional. [As verbas para saúde e educação] Nos dois casos foram praticamente congelados e vão ficar congelados até 2036, então o resultado disso aqui foi gravíssimo”, lembra o professor.

Houve uma desconstrução da política educacional e da saúde a partir da gestão passada, que passou para essa gestão. As verbas para custeio das universidades federais caíram 45%, enquanto os investimentos caíram 50%. “A gente vai precisar recuperar as políticas educacionais e os investimentos em educação, especialmente fazendo uma visão sistêmica da creche até a pós-graduação desde o Michel Temer. Mas centralmente a partir dos desmontes provocados pelo governo Jair Messias Bolsonaro”, enfatiza. 

Onde está o foco de maior preocupação?

O Brasil se especializou em debater a educação de forma equivocada e usando chavões que não se confirmam, diz Cara. Os problemas da educação, portanto, não são apenas restritos a essa ou aquela faixa etária, mas se concentram em toda a cadeia educacional.  “A educação básica e a educação superior devem ter uma intercomunicação”, reitera o professor. 

Cara lembra ainda do próprio curso de graduação em pedagogia da Faculdade de Educação da USP, o qual comporta cerca de 808 alunos. Isso ressalta a importância do investimento na formação e educação de professores, responsáveis pela melhoria e pelo avanço da remuneração média da profissão no País. 

Entender os problemas da educação necessariamente inclui a compreensão de que não é possível pensá-los individualmente ou de forma isolada. Um problema na educação infantil necessariamente impacta o ensino superior, já que aqueles que um dia passaram por um passarão pelo outro. A formação de professores, quando não feita da forma adequada, impacta nas creches e por aí vai.  “A cada um real investido na educação, 85 centavos vão para Educação Básica. O problema é que nós precisamos investir mais e melhor em educação e  trabalhar de maneira que o investimento em educação traga mais resultados, especialmente para o cidadão”, diz. 

Alfabetização

No que diz respeito à alfabetização, hoje o Brasil enfrenta um cenário conturbado. A pandemia colocou em espera muita coisa, entre elas a educação. Segundo a pesquisa Todos pela Educação, 40,8% das crianças entre 6 e 7 anos não foram alfabetizadas. 

Iniciativas de universidades públicas federais, como a USP, Unicamp, Unesp, a federal de Pernambuco, entre outras, têm vários centros de alfabetização de crianças que foram ignorados pelo atual governo. O método defendido para a alfabetização, por sua vez, é descrito pelo professor como “lógica anti-pedagógica”: o método fônico, aquele pelo qual a criança aprende pela separação silábica. 

“O método fônico é incapaz de fazer um processo profundo de alfabetização e ele está muito vinculado à memorização, o que cientificamente está comprovado que não é uma boa alternativa, especialmente para famílias em que o contexto familiar é o contexto de baixa densidade no vocabulário”. Famílias que não tiveram acesso à educação não facilitam a alfabetização. 

Cara também lembra que “a universidade tem que demonstrar sua função social, a universidade tem que provar o quanto é importante o seu trabalho”. 

Daniel Tojeira Cara - Foto: Reprodução/Twitter

Mudanças no ensino médio

O novo ensino médio já está sendo implementado em algumas escolas, enquanto a defasagem e as dificuldades ainda não foram solucionadas. O ensino de português e matemática são os mais defasados atualmente.  

A Rede Escola Pública e Universidade, da qual a Faculdade de Educação da USP faz parte, verificou que o Estado de São Paulo e o restante do País têm uma dificuldade muito grande nos itinerários formativos de Ciências da Natureza e de Ciências Humanas. “Não tem oferta de matrícula suficiente e basicamente só estão sendo acertados os itinerários de matemática, língua portuguesa e educação profissional, que não é de boa qualidade”, diz o professor. “A reforma do ensino médio vai precisar de grandes ajustes para que ela de fato cumpra com uma tarefa de tornar o ensino médio mais interessante”, finaliza.

Negociação política será o primeiro passo para a governabilidade em 2023

O professor Glauco Peres fala das possíveis dificuldades que o próximo governo terá em seu diálogo com a Câmara e o Senado, ambas as casas ostentando maioria de partidos de direita

A escalada de candidatos à direita compondo a Câmara dos Deputados e o Senado Federal pode ocasionar desafios na governabilidade do próximo presidente. O governo de transição começou hoje (3), com reuniões entre os líderes dos dois governos, que já sinalizam para os 513 deputados federais que compõem a Casa. Dentre eles, 237 estão alinhados com vieses de direita, 141 à esquerda e 135 do centrão. O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin será o responsável pela ponte entre o atual governo e o próximo, durante um período de dois meses. 

O professor Glauco Peres, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, explica que a composição de um Congresso mais à direita é reflexo da votação dos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e um dificultador na governabilidade do presidente eleito. Ele adiciona: “No geral os presidentes entram minoritários, e o partido dele nunca é a maior bancada”. A movimentação na Câmara força Lula a negociar e tentar formar uma base de apoio, como em seu primeiro governo, em 2003, em que o Congresso também era “desfavorável”. 

Próximos passos

Para o cientista político, compor o Congresso e retomar o “protagonismo do Executivo”, que encontrou no governo Bolsonaro uma “fraqueza para impor agenda” e problemas de negociação, são tópicos essenciais para 2023. Um primeiro desafio para o novo governo será o orçamento anual, já que as propostas de Luiz Inácio Lula da Silva devem caber dentro do teto de gastos, mas com a manutenção de benefícios, como o Auxílio Brasil, isso pode ser um empecilho.

Deve ocorrer o aceno para partidos com ideologias diferentes, que oscilam entre centro e a própria direita. E, aqui, Peres salienta a aproximação com o centrão, que diferentemente dos partidos que possuem ideologias de centro, como o MDB e o PSDB, não segue uma ideologia delimitada e “são pragmáticos ao extremo”. Na opinião dele, Lula precisa se aliar aos partidos de centro ideológico, mas tomar distância dos que compõem o centrão, pois qualquer escândalo de corrupção não será tolerado durante o governo. 

Vale ressaltar que há um eleitorado massivo que não desejava a eleição do presidente Lula, e para isso, além das alianças com diferentes partidos, uma política de transparência será necessária. O professor justifica dizendo que, de início, para evitar repercussões negativas, ele deverá contar com uma comunicação clara com a população, com justificativas do que vem sendo feito, bem como as escolhas do Executivo. 

Glauco Peres - Foto: FFLCH

Na Câmara e no Senado

Para o cientista político, compor o Congresso e retomar o “protagonismo do Executivo”, que encontrou no governo Bolsonaro uma “fraqueza para impor agenda” e problemas de negociação, são tópicos essenciais para 2023. Um primeiro desafio para o novo governo será o orçamento anual, já que as propostas de Luiz Inácio Lula da Silva devem caber dentro do teto de gastos, mas com a manutenção de benefícios, como o Auxílio Brasil, isso pode ser um empecilho.

Presidente eleito enfrentará desafios para a implementação de políticas públicas

Marta Arretche vê a retomada da agenda institucional, a revisão da questão orçamentária e o amparo ao setor informal como três dos principais problemas a merecerem maior atenção de Luiz Inácio Lula da Silva

A eleição presidencial de 2022 foi acirrada, mas escolheu Luiz Inácio Lula da Silva como o novo presidente do Brasil. Essa será sua terceira vez no cargo, mas, mesmo com muita experiência, deverá enfrentar desafios na implementação e manutenção de políticas públicas no ano que vem.

“Saímos dos trilhos por conta da crise econômica, mas também progressivamente, e isso acelerou muito no governo Bolsonaro, com o desmonte das políticas”, analisa a professora Marta Arretche, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Desafios

Para Marta, o presidente eleito enfrentará três desafios importantes no âmbito das políticas públicas: “O primeiro deles [desafios] é, de fato, retomar essa agenda de forma institucionalizada. O segundo é o desafio de financiamento, o nosso orçamento hoje não comporta o financiamento de políticas de larga escala. Lula vai ter que rever a questão orçamentária. O terceiro é o desafio de desenhar políticas que protejam as populações mais vulneráveis, que hoje estão desprotegidas. O Brasil não tem uma política bem desenhada para os trabalhadores do setor informal, para os desempregados. Se você aumentar o salário mínimo, esses não serão protegidos porque estão fora do universo da formalidade”.

Segundo a professora, o Brasil não tem uma política bem desenhada para o setor informal, os desempregados, então, o aumento do salário mínimo, ponto enfatizado por Lula, não ajudaria essa parcela da população. Marta acrescenta: “Uma coisa é você distribuir um Auxílio Emergencial ou um Auxílio Brasil com um valor elevado, outra coisa é você formar uma política que realmente chegue aos pobres, uma política que é complementada por um conjunto de outras políticas que garantem que as pessoas realmente saiam da pobreza.”

Marta Arretche - Foto: Arquivo Pessoal

Articulação das políticas públicas

O contexto é importante para a articulação das políticas públicas. Conversar e negociar com o Congresso, que também sofreu alterações nesta eleição, é uma das camadas para o desenvolvimento planejado pelo presidente eleito.

Marta comenta sobre as capacidades estatais e, em sua opinião, o Brasil avançou nesse ponto: “Também é verdade que o contexto é outro do ponto de vista do que a gente chama na ciência política de capacidades estatais. O Brasil construiu, ao longo do período democrático, um corpo sofisticado de pessoas tecnicamente preparadas para formular políticas e também constituiu o centro de assistência social no território.  O desafio, em termos de construção de capacidades, é muito menor do que era nos anos 2000. Penso que isso é de enorme valia para a gente retomar rapidamente uma agenda de enfrentamento da desigualdade. Em algum momento, nós saímos dos trilhos e a minha grande esperança é que a gente volte para eles”, comenta a professora.


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