Pautas de prevenção e meio ambiente são prejudicadas pelo sistema político brasileiro

Conforme argumentação de Eduardo Viola, a pulverização do poder é negativa para qualquer política a longo prazo – em especial, a ambiental

 Publicado: 19/06/2024
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Políticas de prevenção climática exigem mudanças estruturais, investimentos a longo prazo, cooperação global e continuidade – Foto: Bela Geletneky/Pixabay/CC0
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A cobertura da tragédia no Rio Grande do Sul explicitou que é consenso entre especialistas que a prevenção é a melhor medida para os desastres climáticos. Só em Porto Alegre, a tragédia custou 20 vezes mais do que se as obras preventivas tivessem sido feitas. Paralelamente, a verba federal para prevenção de desastres naturais de 2023 foi menos da metade do que a de 2014.

Uma pesquisa de Jared Finnegan, cientista político britânico, indicou que a alta concorrência política impacta negativamente as pautas ambientais. Questões como transparência e medidas sociais aumentam, mas as pautas de meio ambiente – que têm efeito invisível e a longo prazo – sofrem muito com isso. Eduardo Viola, do Instituto de Estudos Avançados da USP, sintetiza citando um ditado: “No Brasil, os deputados federais são vereadores nacionais”.

Fragmentação de poder

Eduardo Viola – Foto: Mauro Bellesa/IEA-USP

Eduardo Viola argumenta que a pulverização do poder é negativa para qualquer política a longo prazo – em especial, a ambiental. “Um sistema multipartidário moderado, que é melhor para a governabilidade, tem entre três e cinco partidos representados no Parlamento”, afirma ele. No Brasil, são 29 partidos atualmente.

O que ele diz vai de encontro com a premissa do britânico. Finnegan defende que as políticas de prevenção climática exigem mudanças estruturais, investimentos a longo prazo, cooperação global e continuidade – todos estes aspectos que tornam uma medida pouco popular ou de baixo retorno em capital político. Assim, os parlamentares que se preocupam com o clima operam em um sistema desvantajoso, e quanto maior a competição entre partidos, menor a chance dessas pautas tomarem forma.

Sistema brasileiro

Democracia presidencialista com votos em candidatos; o Brasil tem suas particularidades. Eduardo Viola explica: “O caso brasileiro é um dos piores do mundo nesse sentido [de fragmentação], porque combina representação proporcional e votação em indivíduo, e não em lista partidária”. O que acontece também é o excesso de poder do Legislativo, que acumula grande capacidade orçamentária, mas que não é responsabilizado pelo seu mau uso; quem leva a culpa é o presidente.

Ele contrasta o modelo brasileiro com outros que combinam o voto em indivíduos com o das siglas ou que subdividem os territórios em zonas eleitorais. A Alemanha, por exemplo, utiliza esse sistema. Mesmo sendo uma democracia parlamentarista, Viola acredita que esses mecanismos poderiam ser implementados no presidencialismo. O que não pode é deixar como está; segundo ele, “que não seja mais um voto proporcional e voto em indivíduo. Essa combinação é a receita para anti-longo prazo”.

Mudança nos votos

A desvantagem desse sistema é que ele reforça a fragmentação de poder em muitos partidos, além de focar a atenção política nos indivíduos. “São campanhas eleitorais onde cada candidato tenta maximizar, segundo sua constituinte, seus votos”, diz o professor. Na prática, a consequência é que os políticos são obrigados a planejar suas propostas também como propagandas, caso contrário são depostos nas eleições.

Aqueles que se empenharam a pensar no futuro ficam de mãos vazias nas eleições. Uma alternativa que Viola propõe é o modelo de lista partidária, em que há o voto combinado em indivíduos e partidos. Quando o voto é no partido, há uma lista de candidatos pré-definida, o que possibilita que políticos considerados bons pela sua sigla possam retornar a um novo mandato.

Dessa forma, ideais semelhantes tendem a se aglutinar em um mesmo partido, diminuindo a fragmentação. Além disso, alivia a pressão de que o político precisa ele mesmo garantir votos para si. O voto em partidos garante que pelo menos alguns políticos possam assumir mandatos mesmo que suas propostas tenham pouco material “marqueteiro”.

Reforma do Congresso

O sistema de representação do Congresso também poderia ser mudado. Ele propõe três mudanças, e todas giram em torno de forçar os partidos a formarem coalizões ao invés de se dividirem. A primeira e mais simples, do ponto de vista de estrutura, é a cláusula de barreira, que limita a atuação de partidos que não obtiverem uma representação mínima estipulada.

Uma reforma mais complexa é adotar o sistema distrital misto, no qual o voto no Legislativo se dá em pessoa e partido. Ele explica: “Metade das cadeiras se atribui por distrito e a outra metade por representação proporcional, por lista partidária”. Assim, “o partido que pode eleger um deputado é um partido grande, e isso tenderia a diminuir o número de partidos”, complementa ele.

A última proposta é mudar as cotas mínimas e máximas de representação dos Estados no Congresso e Senado. Hoje, existem Estados super e sub representados – um deputado federal do Acre precisa de menos da metade dos votos de um de São Paulo para ser eleito, por exemplo. Eduardo Viola afirma que, a longo prazo, essa também seria uma maneira de evitar a fragmentação de poder, pois há uma grande disparidade de representação.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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