Na coluna Conflito e Diálogo desta semana, Marília Fiorillo, professora de Filosofia Política e Retórica na Escola de Comunicações e Artes da USP, discorre sobre a situação das mulheres no Afeganistão. No final da última terça-feira (22) à tarde, o Ministério da Educação do Afeganistão anunciou a reabertura de escolas para meninas, que estavam fechadas há sete meses. Mas a ação foi curta, como relata a professora: “Em um vídeo divulgado por um porta-voz do Ministério, se comemorava o acesso das jovens à educação. A decisão durou menos de 12 horas, na quarta de manhã, enxames de meninas que esperavam do lado de fora a abertura das salas de aula foram mandadas de volta para casa e avisadas de que o Talibã não tem previsão para mudar a decisão, pois ele precisaria rever as condições de retomar a educação feminina, estritamente de acordo com a sua versão da Sharia, a lei islâmica”.
De acordo com Marília, “a fonte tem credibilidade, pois é a agência governamental Bakhtar News. Desde que retomou o poder, em agosto passado, graças ao apoio e alavancagem das rodadas de negociação unilaterais entre os extremistas e os Estados Unidos, patrocinadas por Donald Trump, houve mudanças e a comunidade internacional condicionou o reconhecimento do novo governo a algumas promessas, entre elas o direito das mulheres de estudar, trabalhar e sair sozinhas de casa, sem a escolta de alguém do gênero masculino, que muitas vezes era a dos próprios filhos pequenos”.
O Talibã já demonstrava indícios do que era capaz, levando em consideração a sua última fase no poder. “A última vez em que o Talibã esteve no poder no Afeganistão, de 1996 a 2001, as mulheres foram completamente alijadas da sociedade e confinadas em casa e aquelas que ousavam sair para comprar, vamos dizer, comida eram detidas no lar. Uma discriminação ainda pior do que a praticada na Arábia Saudita, que também as considera cidadãs de última classe. A comunidade internacional insiste que a educação das meninas era uma exigência-chave para o reconhecimento futuro da administração Talibã”, atesta a professora.
“Se o episódio desta semana revela que há divergências internas no grupo extremista, libera à tarde e proíbe à noite, revela também que a queda de braço está dando larga vantagem aos ultraconservadores. ‘Sem comentários’, disse o porta-voz do Ministério da Educação a alguns fotógrafos que estavam prontos para filmar a triunfal entrada das meninas nas escolas. Como era de se esperar, o Talibã não é e nunca foi confiável e não há a mais remota garantia de que ele cumpra suas promessas de ocasião. Mesmo o ensino fundamental está oficiosamente censurado para o sexo feminino, já que não existem escolas para meninas em várias províncias do país. Para quem tinha românticas esperanças, essa é mais uma prova de que o Talibã de hoje em nada difere do Talibã de ontem.”
Conflito e Diálogo
A coluna Conflito e Diálogo, com a professora Marília Fiorillo, vai ao ar quinzenalmente sexta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
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