O Instituto de Estudos Avançados da USP discutiu recentemente a nova geopolítica global e o lugar do Brasil nessas profundas transformações que vêm ocorrendo no sistema internacional. Desde a anexação da Crimeia pela Rússia até as forças no leste da Ucrânia, o abandono da China da política de ascensão pacífica e muitos outros movimentos que têm mexido com o mundo, parece ser um questionamento das democracias liberais, que desde o fim da Guerra Fria têm sido hegemônicas no mundo, tendo como âncora os Estados Unidos.
A professora Cristiane de Andrade Lucena Carneiro, do Instituto de Relações Internacionais da USP, participou das discussões e comenta essas transformações. “É indiscutível que têm movimentos de ‘placas tectônicas’ no que diz respeito à geopolítica que a gente conhecia tão bem, que é aquele primeiro momento pós-fim da Guerra Fria”, diz ela.
Um mundo em transformação
Cristiane diz que os primeiros sinais dessas mudanças começaram no início da década passada, em 2011. Segundo ela, nessa época houve “os primeiros processos de contestação da Organização Mundial do Comércio, que hoje é uma das organizações internacionais que estão no seio dessa crise”. A professora acrescenta que, apesar da questão da segurança ser o ponto de maior visibilidade da crise, com guerras e tensões militares, fatores econômicos são também essenciais para se entender a situação.
O entendimento desse cenário passa por debates e opiniões subjetivas. O professor da USP Eduardo Viola, por exemplo, acredita que o mundo passa por uma “segunda Guerra Fria”. Já Cristiane é mais otimista, pensando que é possível um processo de conciliação e tendência ao centro. Mas, segundo ela, é bem consensual que o mundo de hoje já não é o mesmo de antigamente: “Em 1991 havia um grande entusiasmo com o multilateralismo, com o papel das organizações internacionais”, afirma ela, complementando que isso não é mais o caso atual.
À medida que essa expectativa foi esvaecendo, movimentos em paralelo foram crescendo. A professora dá o exemplo da China, que, de acordo com ela, “agora abraça um processo de ascensão menos pacífico, mais contundente”. Na sua opinião, isso também tem relação com as lideranças e personalidades políticas. Se, por um lado, o Partido Comunista Chinês é o referencial quando se fala em China, para Cristiane, o presidente Xi Jinping, que opta por uma posição mais autoritária, não pode ser desvinculado. A consequência é que hoje essa posição pode fazer sentido, mas o mesmo pode não valer para amanhã. O mesmo vale para a Rússia, que tem Putin como líder máximo e que tem estratégias agressivas.
Lugar do Brasil
A especialista afirma que, no momento atual, o Brasil assume posições contraditórias. “A nova administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva anda flertando com posições distintas, posições que cada vez mais estão tomando ponto em polos bastante bem definidos e opostos, e aqui eu estou falando muito diretamente de China e Estados Unidos.”
Por um lado, o Brasil tem uma tradição forte de estabelecer relações mais próximas com a chamada democracia liberal. Há um histórico de afinidade com os EUA, Europa e com os demais países da América Latina, que como um todo também seguem a lógica ocidental. Por outro lado, o governo Lula fez acenos à China e Rússia, como a viagem do embaixador Celso Amorim à Rússia no início do mandato e o fortalecimento do Brics.
Cristiane acha isso “muito preocupante”, pois acredita que o lugar do Brasil é junto ao Ocidente e às democracias liberais. “Eu vejo com muita preocupação essa hesitação do governo entre os dois polos. Isso me parece que tem data marcada, enfim, não pode durar”, afirma ela. Entre a cruz e a espada, ela diz que será preciso um “posicionamento mais claro”, que deve seguir os “princípios da ordem liberal internacional, que é o eixo em torno do qual o Brasil tem se colocado e precisa se colocar”.
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atualizado em 14/10 às 7h40