Lixo eletrônico enfrenta problemas com descarte

Luli Radfahrer diz que a indústria é que precisa resolver a questão, não o consumidor

 04/08/2023 - Publicado há 1 ano

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O que acontece quando a gente tem cada vez mais produtos eletrônicos? Você tem monitores, você tem televisões, você tem teclados, você tem smartphone, fone de ouvido, geladeira, micro-ondas, tem um monte de produtos eletrônicos que não foram feitos para serem desmontados como as antigas máquinas mecânicas. Eles foram feitos para serem leves, finos, então é tudo soldado, é tudo muito apertadinho dentro deles. Se você pega, por exemplo, um smartphone moderno, é quase impossível tirar os componentes dele. Antigamente, isso era coisa de empresas, depois passou a ser coisa de gente rica, hoje todo mundo todo mundo tem uma gaveta com um monte de eletrônicos que não usa. Dizer uma gaveta é ser bonzinho. Algumas pessoas têm muito mais coisa velha. Resultado: isso vai parar em algum lugar e esse material não é reciclado, o que gera um enorme problema. As pessoas acreditam que, em 2040, a gente vai ter o dobro do lixo que a gente tinha nove anos atrás,  em 2014. Então, quer dizer, é um volume que só está aumentando.

Isso gera um grave problema de poluição, porque a gente não presta muita atenção. Só para se ter uma ideia, a gente vê a contaminação do solo porque tinha uma fábrica de bateria, ou contaminação do solo porque tinha uma garagem de ônibus e ficou pingando óleo. Mas se você tem uma quantidade enorme de eletrônicos e eles estão todos em um mesmo lugar, eles vão acabar vazando componente, ou porque uma bateria estoura, ou porque um vidro quebra, e isso gera uma enorme poluição no meio ambiente.

Em um aterro sanitário, você tem cada vez mais produtos eletrônicos e isso vai acabar vazando para o solo que está abaixo dele. Sem contar o desperdício. As pessoas adoram falar que a bateria de um carro elétrico é enorme. Sim, mas carros elétricos são poucos. Agora é só você pensar na quantidade de toneladas de smartphones que a população do Brasil joga fora todo ano. Você percebe que é muito mais do que a bateria de um carro elétrico, de uma turbina eólica. Essas coisas são poucas, são pequenas, podem ser recicladas. A reciclagem não é suficiente até para dar conta da falta de matéria-prima.

Smartphone é o melhor exemplo disso. Ele usa alguns minerais muito específicos, minerais que a gente não tem na Terra em grande quantidade. A gente adora falar do Vale do Silício, mas silício é areia, silício tem no planeta todo. Mas a gente está falando às vezes de cobalto, de lítio para fazer bateria. Onde tem mina de cobalto e lítio? Você tem um salina no Peru e na Bolívia que gera um problema de seca, você tem na Amazônia nióbio que gera um problema de desmatamento, você tem no Congo, que está financiando uma guerra civil. Então você tem um enorme problema, sem contar que você tem o que chamam de minerais raros, tipo neodímio, que é o mineral que a gente tem no planeta em quantidade super pequena. Então, o resultado é a gente está jogando fora um material super-raro que a gente não tem acesso e isso tende a gerar um problema cada vez maior.

Tem duas soluções bem bacanas para resolver esse tipo de problema. A primeira delas envolve repensar o modelo industrial, quer dizer, você não tem mais que pensar que você está comprando uma coisa descartável, que ela tem que ser fina, que ela tem que ser leve, e que você vai usar e jogar fora. Aquele modelo que as pessoas falam que é “do berço até a lápide”.

Um exemplo: você comprou uma televisão, você é responsável pela morte dela. Como você não tem onde jogar fora uma televisão de 42 polegadas, então você devolve para o fabricante, que talvez até te pague uma taxa. O fabricante vai desmontar aquilo, vai construir um produto que é mais fácil de desmontar, porque ele vai poder desmontar e vai poder reaproveitar o processo. Então, esse processo que a gente chama de berço a berço, quer dizer, é a tal da economia circular. Você não fica mais responsável pela morte dos produtos e os produtos conseguem circular melhor, eles vão ser mais bem-feitos.

Outra saída, que é uma saída muito boa também, é montar estruturas sociais com as máquinas velhas. Você tem uma quantidade enorme, principalmente de smartphones velhos. O que é o smartphone? Ele é, basicamente, uma antena e uma quantidade enorme sensores. Só de coletar as máquinas que são jogadas no lixo –  sabe aquele telefone que você tem na sua casa que não presta para absolutamente nada? -, só de coletar isso você consegue fazer estruturas como, por exemplo, uma rede wi-fi de graça que dá conta de uma cidade inteira. Simplesmente usando essas pequenas maquininhas, como repetidor, que é uma máquina que não presta para nada e que passa a ter um uso social e todo mundo ganha.


Datacracia
A coluna Datacracia, com o professor Luli Radfahrer, vai ao ar quinzenalmente, sexta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7 ; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP Jornal da USP e TV USP.

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