No dia 29 de novembro o senador Renan Calheiros (MDB/AL) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição, que prevê a mudança do artigo 102 da mesma, para que junto com as outras funções do STF seja adicionada à competência exclusiva do Poder Judiciário julgar crimes contra o Estado Democrático de Direito. A PEC da Intolerância Política (PEC 35/2022) estabelece tipos e penalidades para aqueles que agirem contra a democracia. Isso inclui, inclusive, aqueles que não têm foro por prerrogativa de função, ou seja, o foro privilegiado.
Na justificativa para a proposta, o senador destaca que as condutas que atentam contra o Estado Democrático de Direito são ”orquestradas, com potencial de se espalhar por todo o território nacional” e puderam ser vistas nas manifestações “protofascistas” que não aceitam o resultado das eleições de 2022 que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva. Diz, além disso, que os ataques “partiram do próprio presidente da República, que veio alimentando a desconfiança em relação ao processo eleitoral durante todo o seu mandato”. Por fim, reconhece que a única instituição capaz de fazer a defesa e “reagir com rigor e coesão necessários” é o Supremo Tribunal Federal, denominado pelo senador como “o melhor refúgio para a democracia brasileira.”
A PEC vem em um momento de instabilidade política em que diversas manifestações tomam as ruas, contestando, na maior parte das vezes, o resultado eleitoral deste ano. Somado a isso, ainda estão em vigência os inquéritos sobre os atos antidemocráticos e das milícias digitais, comandados por Alexandre de Moraes. No último dia 15, o ministro determinou uma megaoperação com 103 medidas de busca e apreensão, quatro ordens de prisão e quebras de sigilo bancário, bloqueio de contas bancárias e de perfis em redes sociais. “O STF tem se especializado, nesses últimos anos, a tratar desse tema de ataques à democracia e ao Estado de Direito, por meio desses inquéritos, com a figura do Alexandre de Moraes. Eu acredito que essa proposta vem mais no sentido de propor um debate para a sociedade brasileira e para os parlamentares em relação ao que fazer com a herança desses ataques à democracia”, diz Eduardo Araújo Couto, doutorando em Ciência Política na FFLCH-USP.
O que a PEC representa?
Essa atuação do Poder Judiciário tem causado discordâncias entre deputados, senadores e parte da sociedade civil, que vê as medidas como ativismo judicial. O professor titular de Direito Constitucional e chefe do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP, Elival da Silva Ramos, explica que “ativismo [judicial] significa ir além do que a Constituição permite no exercício da função, então, é quando o juiz deixa de ser juiz e passa a ser legislador, passa a ser outra coisa”.
Esse problema, segundo o professor, acontece pelo excesso de competências por parte do Supremo. Para ele, muitas funções exercidas pela corte máxima do País deveriam ser delegadas aos outros Poderes. A PEC proposta por Calheiros vai na contramão e aumenta a atuação do Poder Judiciário, o que pode vir a representar uma brecha para uma atuação ativista. Em sua avaliação, a segurança jurídica do País também pode ser comprometida: ela existe quando há uma previsibilidade de entendimento e aplicação das leis, assim como quais serão as consequências decorrentes caso não venham a ser cumpridas. “A segurança jurídica é irmã do ativismo. Quando você dá muito poder ao Supremo e ele resolve não usar mais critérios, mas assume o papel do ‘eu sou o salvador da democracia no Brasil’, aí a insegurança jurídica está instalada”, diz.
Vale lembrar que a Lei Nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, que acrescenta o Título XII à parte especial da Lei nº 2.848, de 1940 – que regulamenta os crimes contra o Estado Democrático de Direito –, e que revogou a Lei de Segurança Nacional já prevê quais ações são consideradas crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Adolescência institucional
Ramos ainda situa o Brasil em uma espécie de adolescência institucional: “Estamos longe ainda da maturidade, porque uma das características da adolescência é você tentar resolver tudo ao mesmo tempo, sem grande separação de método. As instituições maduras são aquelas em que cada uma tem o seu papel. O Supremo trabalha, hoje, de maneira monocrática, o que acaba sendo praticamente uma pessoa”.
Atualmente, a PEC está aguardando designação do relator da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, dos 159 votos populares que indicam aprovação popular ou não da proposta, 147 votaram não.
Jornal da USP no Ar
Jornal da USP no Ar no ar veiculado pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h, 16h40 e às 18h. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular.