O presidente Luiz Inácio Lula da Silva justificou a nomeação que fez de dois novos ministros de partidos que fazem parte do Centrão, com o argumento de que precisa dos votos dos parlamentares desses partidos para aprovar as suas propostas no Congresso Nacional. Em realidade, além de ter acomodado os representantes do PP e dos Republicanos, respectivamente, nos Ministérios de Esportes e de Portos e Aeroportos, Lula demitiu Rita Serrano da presidência da Caixa Econômica Federal para nomear o economista Carlos Antônio Vieira Fernandes em seu lugar, por indicação do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, do PP.
Assim, o governo do presidente Lula vai ganhando uma feição mais ao centro do espectro político, bem diferente de quando ele começou a governar oito meses atrás. O Centrão sempre foi alvo de críticas, se não do próprio presidente, de setores progressistas que o apoiam e que sempre denunciaram a natureza fisiológica dos partidos formadores do agrupamento; contudo, mudanças desse tipo estão relacionadas ao fato de que, no quadro presidencialismo multipartidário que existe no Brasil dificilmente os presidentes eleitos logo vão obter maioria no Congresso com base apenas nos votos dados ao seu próprio partido. Presidentes minoritários são levados quase sempre a formar governos de coalizão, trazendo para a sua composição partidos que têm alguma identidade com o programa do governante eleito – isso foi assim nos dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e, com menos rigor, no governo de Dilma Rousseff e nos dois mandatos anteriores do próprio Lula.
Um aspecto importante, no entanto, do ponto de vista da qualidade da democracia, é que o critério de escolha de novos nomes de partidos que disputaram as eleições com o mandatário eleito, ou mesmo que se opuseram a ele, guarde alguma coerência com o programa de quem venceu as eleições. Ou seja, é um requisito indispensável da transparência pública, requerida por governos democráticos e republicanos, que a decisão de incorporação desses novos setores do governo seja feita com a explicitação para o público, especialmente para os eleitores do governo eleito, da contribuição específica que eles trarão para o cumprimento das promessas eleitorais do eleito.
Os novos ministros administrarão, além de recursos humanos, parcelas significativas do orçamento público federal, e é indispensável que os rumos dessa nova face do governo sejam dados a conhecer a quem acreditou nas promessas eleitorais e garantiu a vitória do governante eleito. O governo Lula até agora não cumpriu esse requisito, e uma explicação para isso pode estar nas mudanças que vêm ocorrendo nas relações entre o Legislativo e o Executivo. Aproveitando-se das crises que se abriram a partir de 2013, o Congresso Nacional foi se empoderando cada vez mais de áreas que antes eram prerrogativas do Executivo. Isso ocorreu a partir da introdução do orçamento impositivo, do esquema de emendas individuais e de bancadas e, mais recentemente, do processo de centralização das decisões em mãos dos detentores do comando nas duas casas congressuais.
Com a introdução de decisões parlamentares on-line, durante a pandemia da covid-19, se alterou a natureza das relações entre partidos, líderes partidários e as presidências da Câmara e do Senado. Muitas decisões importantes passaram a ser tomadas então sem tramitar pelas comissões técnicas, dependendo apenas da decisão dos presidentes, que consultam os líderes partidários que os apoiam, ou seja, os presidentes das casas congressuais ficaram muito mais fortes e, desse modo, passaram a ter mais novos e numerosos recursos de poder para pressionar o Executivo. O governo Lula vem enfrentando essa nova realidade desde o início de 2023, mas não parece ter sido capaz, até agora, de formular uma alternativa para enfrentar essa situação. Reage, então, repetindo o que Lula tinha feito em seus dois mandatos anteriores, ou seja, formando grandes coalizões para compor o Ministério. Mas isso ainda não demonstrou ser uma garantia segura de que será suficiente para assegurar que as propostas e diretrizes do governo sejam realmente aprovadas.
Qualidade da Democracia
A coluna A Qualidade da Democracia, com o professor José Álvaro Moisés, vai ao ar quinzenalmente, quarta-feira às 8h30, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
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