Faltam leis específicas, no Brasil, que penalizem crimes de ódio e intolerância

Segundo Cezar Neto, discussão sobre o tema avança e é essencial para resguardar a diversidade, sobretudo no ambiente digital

 31/07/2023 - Publicado há 1 ano
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O discurso, que se torna conduta violenta, pode gerar danos físicos ou psicológicos de modo a afetar a vida das vítimas – Imagem: Freepik

 

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Um Grupo de Trabalho montado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania divulgou, recentemente, o Relatório de recomendações para o enfrentamento ao discurso de ódio e ao extremismo no Brasil. Seu conteúdo aponta que um dos desafios do embate a crimes de ódio no País é a falta de uma tipificação mais clara para estes. “Tipificar é pegar uma conduta, uma ação ou mesmo uma omissão que não é aprovada socialmente e ali se delimita que aquela ação é uma ação criminosa”, explica Cezar Neto, pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP.

Cezar Neto – Foto: Reprodução/YouTube/FDRP-USP

Discriminações por identidade de gênero, cor, raça, etnia, nacionalidade ou religião compõem os crimes de ódio e intolerância, segundo Projeto de Lei 7.582/2014, da deputada Maria do Rosário (PT-RS). Os crimes de intolerância compreendem restrições à ação do indivíduo afetado, como exclusão de cargos públicos de trabalho ou proibição para adentrar algum espaço. Os crimes de ódio, por sua vez, caracterizam-se pela possibilidade de ameaça à integridade física do indivíduo.

Uma outra lei, a 7.716 do ano de 1989, em seu artigo 1º, tipifica “crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, que omite de seu escopo diversidades como orientação sexual e identidade de gênero. Em relação a essa lei, o PL de 2014 apresentou uma evolução importante, mas ainda longe de ser a ideal. “A importância de se pensar em uma lei que proteja todo esse grupo se baseia no Projeto de Lei 7.582 de 2014. No corpo da proteção legal, dentro dos artigos, ele especifica o que é cada um, cada membro desse universo múltiplo é abrangido e é colocado diante da legislação para que se conheça esse grupo e que se resguardem os seus interesses e direitos”, diz Cezar Neto.

Discurso e ação 

As diferenças entre discurso e ação são consideradas para definir legislações ao redor do mundo. Alguns pesquisadores consideram que o discurso apenas deve implicar pena se gerar dano comprovado empiricamente. No Brasil, as duas coisas estão relacionadas, de modo que há uma tendência de considerar os danos à vítima como fruto de um “discurso-ação”, segundo define o artigo Discurso de Ódio: Significado e Regulação Jurídica, escrito por Cristina Godoy Bernardo de Oliveira, Guilherme Adolfo dos Santos Mendes e Rafael Lima Sakr, especialistas ligados à Universidade de São Paulo. O discurso, que se torna conduta violenta, pode gerar danos físicos ou psicológicos de modo a afetar a rotina e o estilo de vida das vítimas, bem como as de suas famílias e pessoas próximas.

Analogias e liberdade de expressão

A ordenação jurídica faz o ódio ser reconhecido como uma expressão da violência e, portanto, como transgressão. No entanto, faltam leis específicas que penalizem discursos de ódio no Brasil, sobretudo no ambiente digital. “Nós temos dentro do nosso arcabouço legal leis que já limitam [os crimes de ódio]. O Judiciário pode apreciar essas leis e utilizá-las em julgamentos de questões relativas aos crimes de ódio, como se fosse uma analogia”, explica o pesquisador. De acordo com o relatório do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, essa definição é essencial para orientar ações de proteção a todos os afetados por esses atos.

Ainda no artigo Discurso de Ódio: Significado e Regulação Jurídica, observa-se que a indefinição da lei faz com que cada caso seja analisado especificamente, observando-se o princípio da dignidade humana e da liberdade de expressão. O conceito de liberdade de expressão, no entanto, pode ser usado para justificar ofensas, ocasionando certa passibilidade a alguns ataques. Para Cezar Neto, a diversidade é o que marca a sociedade ocidental e o arcabouço legal brasileiro deve resguardar essas diferenças. “Nós temos que observar a importância da legislação como uma proteção e não como uma opressão”, completa.

*Sob orientação de Marcia Avanza


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