Um estudo publicado no Journal of Advertising Research demonstra que empresas que comunicam abertamente suas fragilidades em tempos de crise recebem maior auxílio de seu público consumidor. Esse comportamento não é novo, mas ficou em evidência durante a pandemia de covid-19, quando muitos negócios estavam vulneráveis financeiramente. Para sobreviver a esse período, observou-se que empresas de diversos segmentos expuseram sua situação crítica e apelaram para sua clientela para evitar a falência. No estudo, essa estratégia é chamada de “apelo à vulnerabilidade das empresas com fins lucrativos”.
Esse período de crise generalizada mudou profundamente a relação entre marcas e consumidores, como afirma Jane Marques, professora do curso de Marketing da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. “Eu percebo que as empresas, especialmente pequenos negócios, aprenderam que precisavam estar mais próximos do consumidor e que muitas tiveram que abrir canais, até canais on-line, para poder sobreviver na pandemia.” Além disso, “é notório que a pandemia fez com que muitas pessoas tivessem mais atenção e um pouco mais de zelo, de cuidado com situações mais vulneráveis”, complementa.
Murilo Carrazedo Marques, um dos autores do estudo citado e pós-doutor pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, comenta sobre as diferenças desse apelo para outros usados em estratégias de marketing. “Em geral os apelos das mensagens de comunicação e de propaganda usam a emoção, buscar que você consuma ou adquira aquele produto com alguma mensagem com apelo emocional ou com apelo cognitivo, baseado nas funcionalidades do produto. ‘Compre nosso produto porque ele é mais vantajoso, compre nossa marca porque tem menor preço ou porque tem mais qualidade ou porque tem mais funcionalidade’.” No apelo à vulnerabilidade, no entanto, nada disso é utilizado no discurso da marca, dando lugar a pedidos de ajuda explícitos.
Motivações
Existem condições que fazem funcionar esse acordo entre as duas partes: a identificação com a marca e o motivo da crise. “Os consumidores criam verdadeiros vínculos muito fortes com determinadas marcas, às vezes aquilo remete à infância deles ou tem uma ligação muito afetiva, vinculada a bons momentos da vida do consumidor e ele se sente mal que aquela marca vai desaparecer.”
A vontade de ajudar também se efetiva “quando essa crise é provocada por agentes externos incontroláveis, como é o caso de uma pandemia, como é o caso de uma catástrofe climática”, aponta Carrazedo.
Essas condições são fatores moderadores das normas pessoais, que também podem motivar o comportamento de ajuda. “As normas pessoais são ativadas quando você vê uma pessoa precisando de ajuda e as suas normas te indicam que você precisa ajudar.” A estratégia que conversa com as normas pessoais geralmente é vista em projetos sociais, que procuram contribuições de terceiros a partir da comoção com uma causa específica.
Na pesquisa, o foco foi o apelo de empresas com fins lucrativos e a garantia de uma relação de troca após a ajuda financeira do cliente. “A gente entende que o apelo de vulnerabilidade tem que seguir as regras de mercado também, você está dando alguma coisa e recebendo alguma coisa em troca. A empresa não está pedindo simplesmente uma doação”, diz Carrazedo.
Tendência para o futuro?
Esse apelo é adequado para negócios com dificuldades financeiras emergenciais e, portanto, não serve para atrair novos clientes. “Esse tipo de apelo não é um apelo de construção de marca, você precisa ter uma marca forte, uma marca que construiu um vínculo afetivo com o consumidor e isso então pode disparar um gatilho do consumidor que se sinta encorajado a ajudar aquela empresa”, aponta Carrazedo.
Por conta disso, usar do apelo à vulnerabilidade é uma decisão específica para momentos de dificuldade, e por isso não será adotada de forma massiva, na visão do especialista: “Não acredito que seja uma tendência. Eu acho que isso vai continuar sendo o que prevalece no mercado de comunicação e o apelo de vulnerabilidade pode e deve continuar sendo usado em situações mais críticas, porque ele só funciona realmente quando o consumidor tem alguma identificação”. Um exemplo recente é a crise das livrarias físicas. “As pessoas que têm menos frequência de visitar livrarias ou que têm menos afinidade com livros, com o mercado de livros, essas se dispõem menos a ajudar.”
Uma marca interessante observada nos novos empreendedores e empreendedores em formação é a preocupação que ultrapassa o lucro. Quando os negócios trabalham dessa forma, é possível que o público cliente considere essa característica ao presenciar determinada marca ou loja passando por um período difícil. “Tem que ser algo que a gente acredite que, para além do fim lucrativo, tem uma finalidade social também, então acho que esses apelos convencem melhor e são melhor recebidos também pelo público”, finaliza Jane.
*Estagiária sob a supervisão de Paulo Capuzzo
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