Empresas aprenderam que precisam estar próximas do consumidor para sobreviver em tempos de crise

Um exemplo foi a crise advinda da pandemia, que mudou a relação entre marcas e consumidores, algo que é possível sob certas condições, afirmam especialistas

 25/08/2023 - Publicado há 11 meses     Atualizado: 26/06/2024 as 10:54
Por
– Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Logo da Rádio USP

 

Um estudo publicado no Journal of Advertising Research demonstra que empresas que comunicam abertamente suas fragilidades em tempos de crise recebem maior auxílio de seu público consumidor. Esse comportamento não é novo, mas ficou em evidência durante a pandemia de covid-19, quando muitos negócios estavam vulneráveis financeiramente. Para sobreviver a esse período, observou-se que empresas de diversos segmentos expuseram sua situação crítica e apelaram para sua clientela para evitar a falência. No estudo, essa estratégia é chamada de “apelo à vulnerabilidade das empresas com fins lucrativos”.

Jane Marques, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) – Foto: Divulgação/Cellac USP

Esse período de crise generalizada mudou profundamente a relação entre marcas e consumidores, como afirma Jane Marques, professora do curso de Marketing da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. “Eu percebo que as empresas, especialmente pequenos negócios, aprenderam que precisavam estar mais próximos do consumidor e que muitas tiveram que abrir canais, até canais on-line, para poder sobreviver na pandemia.” Além disso, “é notório que a pandemia fez com que muitas pessoas tivessem mais atenção e um pouco mais de zelo, de cuidado com situações mais vulneráveis”, complementa.

Murilo Carrazedo Marques, um dos autores do estudo citado e pós-doutor pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, comenta sobre as diferenças desse apelo para outros usados em estratégias de marketing. “Em geral os apelos das mensagens de comunicação e de propaganda usam a emoção, buscar que você consuma ou adquira aquele produto com alguma mensagem com apelo emocional ou com apelo cognitivo, baseado nas funcionalidades do produto. ‘Compre nosso produto porque ele é mais vantajoso, compre nossa marca porque tem menor preço ou porque tem mais qualidade ou porque tem mais funcionalidade’.” No apelo à vulnerabilidade, no entanto, nada disso é utilizado no discurso da marca, dando lugar a pedidos de ajuda explícitos. 

Motivações

Existem condições que fazem funcionar esse acordo entre as duas partes: a identificação com a marca e o motivo da crise. “Os consumidores criam verdadeiros vínculos muito fortes com determinadas marcas, às vezes aquilo remete à infância deles ou tem uma ligação muito afetiva, vinculada a bons momentos da vida do consumidor e ele se sente mal que aquela marca vai desaparecer.”

Murilo Carrazedo Marques da Costa Filho
– Foto: Researchgate

A vontade de ajudar também se efetiva “quando essa crise é provocada por agentes externos incontroláveis, como é o caso de uma pandemia, como é o caso de uma catástrofe climática”, aponta Carrazedo. 

Essas condições são fatores moderadores das normas pessoais, que também podem motivar o comportamento de ajuda. “As normas pessoais são ativadas quando você vê uma pessoa precisando de ajuda e as suas normas te indicam que você precisa ajudar.” A estratégia que conversa com as normas pessoais geralmente é vista em projetos sociais, que procuram contribuições de terceiros a partir da comoção com uma causa específica.

Na pesquisa, o foco foi o apelo de empresas com fins lucrativos e a garantia de uma relação de troca após a ajuda financeira do cliente. “A gente entende que o apelo de vulnerabilidade tem que seguir as regras de mercado também, você está dando alguma coisa e recebendo alguma coisa em troca. A empresa não está pedindo simplesmente uma doação”, diz Carrazedo. 

Tendência para o futuro? 

Esse apelo é adequado para negócios com dificuldades financeiras emergenciais e, portanto, não serve para atrair novos clientes. “Esse tipo de apelo não é um apelo de construção de marca, você precisa ter uma marca forte, uma marca que construiu um vínculo afetivo com o consumidor e isso então pode disparar um gatilho do consumidor que se sinta encorajado a ajudar aquela empresa”, aponta Carrazedo. 

Por conta disso, usar do apelo à vulnerabilidade é uma decisão específica para momentos de dificuldade, e por isso não será adotada de forma massiva, na visão do especialista: “Não acredito que seja uma tendência. Eu acho que isso vai continuar sendo o que prevalece no mercado de comunicação e o apelo de vulnerabilidade pode e deve continuar sendo usado em situações mais críticas, porque ele só funciona realmente quando o consumidor tem alguma identificação”. Um exemplo recente é a crise das livrarias físicas. “As pessoas que têm menos frequência de visitar livrarias ou que têm menos afinidade com livros, com o mercado de livros, essas se dispõem menos a ajudar.”

Uma marca interessante observada nos novos empreendedores e empreendedores em formação é a preocupação que ultrapassa o lucro. Quando os negócios trabalham dessa forma, é possível que o público cliente considere essa característica ao presenciar determinada marca ou loja passando por um período difícil. “Tem que ser algo que a gente acredite que, para além do fim lucrativo, tem uma finalidade social também, então acho que esses apelos convencem melhor e são melhor recebidos também pelo público”, finaliza Jane. 

*Estagiária sob a supervisão de Paulo Capuzzo


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar no ar veiculado pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h, 16h40 e às 18h. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.