Conceito de mãe solo ajuda a entender novo arranjo familiar nas periferias de São Paulo

A pesquisadora Giane Silvestre ressalta que o estudo em andamento pretende embasar políticas públicas para o protagonismo feminino

 17/10/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 23/10/2023 às 11:24
Até o começo dos anos 1980, existia um arranjo familiar nuclear nas periferias – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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Uma pesquisa que está sendo realizada pela Universidade de São Paulo, intitulada Novas Formações de Vida Coletiva nas Periferias de São Paulo: Mães Solo, Pais Ausentes, Violência e Circulação de Moradias, tem o objetivo de entender as mudanças nas formações familiares e a composição dos grupos domésticos nas periferias da cidade de São Paulo. Giane Silvestre, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e uma das organizadoras, explica o processo de estruturação do projeto e quais as finalidades que o programa busca. 

Organização do projeto

O projeto, iniciado em 2023 com financiamento da Fundação Tide Setubal, possui uma projeção de duração de um pouco mais de um ano, a depender da disponibilidade dos responsáveis. A pesquisadora principal é Teresa Caldeira, professora da Universidade da Califórnia, que possui um trabalho voltado para as periferias de São Paulo há mais de 40 anos — analisando a dinâmica da vida, das moradias e da violência nesses espaços.

Giane Silvestre – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Além de Giane e Teresa, o professor de Sociologia da USP, Sérgio Adorno, e a pesquisadora Maria Gorete também fazem parte da coordenação e gestão da pesquisa. Durante o primeiro semestre eles realizaram um processo seletivo, no qual foram selecionados quatro pesquisadores já graduados e que tivessem uma trajetória em periferias. Esse processo, segundo a pesquisadora, teve como principal objetivo envolver e dar oportunidades para pesquisadores formados que estavam atuando em outras áreas no mercado de trabalho. 

“A gente montou um time de quatro pesquisadores (Barbara Souza Lima, Breno Nascimento, Israel Brito e Nathalia Fernanda dos Santos) que estão fazendo coleta de dados agora no segundo semestre. Durante o primeiro eles foram preparados a partir da leitura de teorias e treinamentos sobre técnicas de pesquisa e entrevistas. Esse trabalho de campo é todo feito por meio de entrevistas e observações, portanto, é uma pesquisa predominantemente qualitativa”, explica Giane.

Objetivos do estudo

Conforme a pesquisadora, um estudo realizado entre os anos 1960 e 1970 indicou que, até o começo dos anos 1980, existia um arranjo familiar nuclear nas periferias, isto é, existiam papéis bem definidos: o pai era o provedor e a mãe era uma complementação de renda — isto quando trabalhava fora. Ela também cita um modelo de autoconstrução das famílias, que buscavam seu espaço para se organizar, muitas vezes construindo seu próprio imóvel, e isso ajudava na fixação desse arranjo familiar na periferia. “Isso tem se transformado radicalmente nos últimos anos e passou a se ver mais circulação de pessoas e moradias. O aluguel substituiu o modelo da autoconstrução familiar, o que possibilitou esse maior fluxo nas periferias.” Giane ainda completa que essa realidade é responsável por mudar o arranjo familiar periférico.

“O termo mãe solo é uma releitura desse lugar, que as próprias mulheres fazem da sua condição de mãe e de exercer a maternidade com a ausência dos pais, que pode se dar de várias formas”, comenta a especialista. Ela acrescenta que esse novo termo da literatura, mãe solo, corrigiu a expressão mãe solteira, que estigmatizava a mulher de forma negativa — colocando-a como um sujeito passivo de um processo social. Giane diz que o protagonismo das mulheres nessa nova configuração dos arranjos familiares se dá muitas vezes por opção, superando a visão pejorativa de antigamente, na qual as mulheres eram abandonadas e ficavam em uma condição de fragilidade socioemocional. 

A pesquisadora comenta que os dados de campo e os estatísticos demonstram que a concepção popular de que o modelo nuclear de família predomina no País está errada. “Esse padrão pode ter sido predominante por um tempo na sociedade, mas a mulher sempre teve um protagonismo nas rendas domésticas”, comenta. Por fim, Giane ressalta que a pesquisa tem o objetivo de, após sua conclusão, embasar políticas públicas aderentes à realidade da população periférica, levando em conta a dificuldade para uma mãe solo conseguir se consolidar no mercado de trabalho: “A gente espera contribuir com essa pesquisa no embasamento de políticas de educação, cuidados, infância e no protagonismo dessas mulheres”.


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