Como entender a contracultura?

Martin Grossmann diz que essas manifestações, que ocorrem de forma ubíqua e diversa no globo, estão sujeitas a influências contextuais, históricas e territoriais

 Publicado: 25/02/2025 às 8:14

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Na coluna desta semana lembro o saudoso professor Teixeira Coelho, que em seu Dicionário Crítico de Políticas Culturais alerta que seria contrário ao próprio espírito da contracultura identificar uma forma única capaz de sintetizar suas manifestações.

Assim sendo, não se trata de classificá-la como um movimento formado por grupos radicais que rejeitam valores e práticas sociais estabelecidas, buscando construir uma ordem social alternativa que desafie e subverta as normas dominantes. Isso reduziria a questão a uma situação de confronto, de oposição aos valores dominantes da sociedade. A contracultura também, nesta interpretação, tem seu sentido limitado se for apenas retratada como um fenômeno sócio-artístico-cultural, em um espaço-tempo estabelecido definido, como geralmente o é ao estar, por exemplo, associada à perspectiva norte-americana do pós-guerra, quando ganham destaque os comportamentos libertários dos beatniks e principalmente os dos hippies, os festivais de música como Woodstock, as manifestações pacifistas contra a guerra no Vietnã, e certas formações artísticas, como as do rock psicodélico e progressivo e suas figuras lendárias, entre elas, Janis Joplin, Jimmy Hendrix e Bob Dylan. Seu sentido ganha complexidade e amplitude se considerarmos que essas manifestações ocorrem de forma ubíqua e diversa no globo, sujeitas a influências contextuais, históricas e territoriais, como é o caso da Tropicália aqui no Brasil ou, em outra escala e configuração no Japão, em particular quando examinamos proposições construtivas, utópicas até, como foi a arquitetura metabólica com contribuições marcantes como as de Kenzo Tange, Kiyonori Kikutake, Fumihiko Maki e Arata Isozaki.  

Interessante notar, antes de mais nada, que aqui e acolá essa reativação já está acontecendo. Há poucos dias, nos Estados Unidos, personalidades como o ator Mark Ruffalo e o músico Brian Eno e o criador da Wikipedia, Jimmy Wales, lançaram uma iniciativa chamada Free Our Feeds (Liberem nosso feed, em tradução livre), com a qual se comprometem a criar um ecossistema aberto de mídia social, projeto com o qual esperam arrecadar US$ 30 milhões (mais de R$ 180 milhões) para o desenvolvimento e a manutenção da infraestrutura. Trata-se de um projeto com o qual estas e outras celebridades esperam “salvar as redes sociais do sequestro de bilionários”, em particular os proprietários da X, da Meta, que tomaram de assalto essa esfera pública de comunicação, entretenimento e compartilhamento, visando não só à monopolização de seu uso, como também à manipulação e doutrinamento de seus usuários, processo esse explicitamente em andamento. 

Um outro movimento também vem chamando a atenção nos EUA nas últimas semanas. Informações têm se espalhado nas mídias sociais sobre um protesto econômico nacional chamado “Apagão econômico de 28 de fevereiro”. O chamado à ação – ou melhor, à inação – pede que os consumidores americanos se abstenham de fazer compras nos principais varejistas na sexta-feira, 28 de fevereiro. O protesto ocorre em um momento em que as pessoas continuam a enfrentar o aumento dos preços de tudo, desde alimentos e gás até moradia e serviços públicos.

Por trás do boicote está um grupo chamado The People’s Union USA, uma organização de base autodenominada, fundada por John Schwarz, um cidadão de 57 anos originário do Queens, em Nova York, que vem promovendo o apagão do consumidor há semanas nas mídias sociais. Esse movimento, Povo Unido dos EUA (livre tradução) diz que não tem filiação política e que foca em seu ativismo na “equidade, justiça econômica e mudanças sistêmicas reais”. 

Finalizo sem ainda deixar mais clara a abrangência da concepção contemporânea de contracultura que aqui queremos apregoar. Aguardem a próxima coluna.


Na Cultura, o Centro está em Toda Parte
A coluna Na Cultura o Centro está em Toda Parte, com o professor Martin Grossmann, vai ao ar quinzenalmente, terça-feira às 9h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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