“Black Mirror” e os problemas dos ricos na internet

É preciso ampliar o escopo da crítica social da internet, argumenta Luli Radfahrer

 24/11/2023 - Publicado há 7 meses
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A série de ficção científica Black Mirror, que todo mundo adora e só fala sobre isso, é no mínimo constrangedora, com exceção da última temporada, que  me fez recuperar um pouco a esperança. Por quê? Porque  ela acabava mostrando um  monte de angústias e problemas de ricos. E  problema de rico é muito chato. Quase tudo ali era aquela maioria que era hétero, branca, você não tinha problema de quem vive, por exemplo, pilotando um Uber ou um problema de entregador de iFood, você não tinha problema de minorias, você não tinha problema de gente gay […] a maior parte dos episódios era aquela coisa chata de gente que não tem o que reclamar reclamando da vida.

A internet, no começo, era uma coisa de rico, o mundo digital começou dentro de uma bolha. A pessoa estava dentro do mundo acadêmico, poucos tinham computador em casa e podiam ficar com telefone dando ocupado um tempão. E mais: precisava falar  inglês, porque não tinha quase nada em português […]

Se você faz um retrato de como é na Suécia, nos anos 70, você vai encontrar um monte de gente branca, alta e loira, porque  realmente o nível de diversidade era muito baixo. Agora, se você vai para Estocolmo, em 2023, você vai ver uma diversidade populacional muito maior que você não via ali, e é mais ou menos o que aconteceu com a internet. A  hora que você tem uma internet que penetra  muito mais socialmente, e ela tanto gera oportunidade de emprego quanto problemas para pessoas nos vários escopos sociais, uma série que se propõe a criticar a internet tem que fazer uma crítica da internet como um todo e não daquilo que é problema de rico.

Se você fizer uma análise da internet em geral, a mulher é sub-representada. A ideia de empreendedor, a primeira coisa que você pensa é homem, branco, que está nos Estados Unidos, no Vale do Silício, ou seja, na França não tem nenhuma escola boa,  na Itália não tem nenhuma escola boa,  mesmo na Suécia, que nos deu o  Spotify, mas tirando o Spotify não tem mais nada que é feito lá, a  Alemanha não dá nada para a gente, o que  é isso? Isso só falando de Ocidente. Será que nada está acontecendo na África?

Quando você vai para países como Japão,  China e Coreia, você percebe que a internet lá é um mundo completamente diferente. Por quê? Porque o cara ficou cheio de  ficar vendo aquilo ali. Tem aquelas particularidades científicas da cultura desses países. Então, a internet ainda tem muito para crescer, ela ainda está muito dentro de uma bolha, ainda tem gente que acredita que ela está no Soho e ela não está só no Soho, mas também no Capão Redondo, está em todos os lugares.

A internet  precisa aprender a falar com as pessoas, senão ela vai ficar datada como uma ópera ou uma música de concerto, que tem um enorme valor, mas que não soube falar com o público e acabou ficando completamente isolada. Será que a maior parte das pessoas que vai ouvir esse tipo de música está realmente ouvindo por que gosta da música ou será que está ouvindo por que quer parecer “rico e chique”? Isso é muito triste da crítica da internet, porque a crítica, se ela vai atingir, ela deve atingir todo mundo.


Datacracia
A coluna Datacracia, com o professor Luli Radfahrer, vai ao ar quinzenalmente, sexta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7 ; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP Jornal da USP e TV USP.

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