
Foi lançado recentemente a edição em inglês da obra A Espoliação Urbana, um clássico da sociologia urbana, de Lúcio Kowarick. O livro trata de diversos aspectos relacionados à cidade de São Paulo ainda no contexto da ditadura militar, no final dos anos 1970. Essa é a primeira obra a conectar as dimensões relacionadas ao regime político, estrutura econômica e condições de vida nas cidades, com produção do espaço urbano. A edição foi traduzida pelo geógrafo Matthew Richmond, da Newcastle University, com apoio do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) da USP e da Associação Brasileira de Ciência Política. O professor Eduardo Marques, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e diretor do CEM, fala mais sobre a obra.

O professor destaca sua importância: “É a primeira obra que conecta o regime militar, o autoritarismo político que a gente vivia na época, com as dimensões econômicas ligadas ao trabalho, com a produção do espaço propriamente, como as pessoas que viviam na cidade etc. Tem diversas dimensões que são datadas, pois ele está falando sobre aquele período específico. Mas ele tem uma enorme atualidade, a sua abordagem e a interpretação que ele faz sobre a cidade de São Paulo e sobre outras cidades brasileiras também. Falando sobre a cidade de São Paulo, ele ilumina um padrão de urbanização que estava presente nas grandes metrópoles brasileiras e latino-americanas e que infelizmente continua presente, e é isso que confere a atualidade do livro, está justamente no fato de que ele permite à gente recuperar as condições históricas da formação dessas características, que hoje a gente chama periferização, os processos de favelização e as condições de vida a que as pessoas estão submetidas. Então, ele é ao mesmo tempo um livro que fala sobre aquele período de uma forma muito eloquente e sofisticada, mas também ajuda a entender as desigualdades urbanas presentes na cidade”, explica.
Dentro desse contexto, o termo espoliação surge como uma escolha estratégica para chamar a atenção do público. “O termo mais comum seria exploração, mas o professor preferiu usar o termo espoliação urbana justamente para causar uma estranheza, para as pessoas prestarem atenção no que está sendo dito e diferenciar o que ele está descrevendo de qualquer interpretação que possa se fazer sobre exploração. É uma coisa específica da cidade que ele está evocando, e tratar com um termo diferente, que causa uma certa estranheza, é uma forma de chamar a atenção do leitor para que ele preste realmente atenção nos conteúdos que estão sendo descritos ali, não fique imaginando a partir do que ele imagina que seja exploração”, detalha.
Sociologia urbana
O professor Kowarick foi um dos escritores mais importantes sobre sociologia urbana no Brasil. “O professor Kowarick, que já é falecido, foi meu colega de departamento durante vários anos, e foi um dos autores mais importantes da sociologia urbana e política. Ele tratou muito dessa sociologia política que mistura as duas coisas na interpretação das cidades. Sua carreira foi muito bem-sucedida, muito internacionalizada para os padrões da época. Em meados dos anos 70 e 80, era baixíssima a internacionalização, então grande parte da obra dele permanece em português, algumas coisas foram traduzidas para o espanhol, algumas coisas foram traduzidas para o inglês e também para o francês. E isso faz com que os argumentos que eles colocaram na praça circulassem menos do que poderiam circular na época. E a ideia de traduzir A Espoliação Urbana para o inglês, caminho inverso do que geralmente se faz, é justamente para fazer essas ideias circularem de maneira mais intensa”, finaliza o professor Eduardo Marques.

A realidade dos dias atuais está refletida de diversas maneiras na obra, que, apesar de tratar de épocas passadas, se mantém fresca no presente. “Tem muitas permanências e também muitas transformações. Evidentemente, a cidade de São Paulo não se assemelha nem de perto à sua versão de 1979, quando ele começou a escrever o livro, mas ela mantém diversas dimensões que a gente pode traduzir para o nosso contexto. O trabalho informal, as novas formas de exploração do trabalho e como isso se coloca, tanto nos locais de trabalho mais tradicionais, como a fábrica, como em muitos outros lugares e muitos outros tipos de trabalho. As periferias e favelas de hoje são muito mais heterogêneas do que eram socialmente em termos de infraestrutura e, portanto, têm muitas transformações. Por outro lado, as dimensões da desigualdade se recolocam e se reconstituem de formas novas e novos processos. Não são meramente novas roupagens. Elas são, em si, processos próprios que as diferenciam das anteriores, não é simplesmente uma questão de trocar roupa, mas permanecendo ou reconfigurando os padrões de desigualdade na metrópole”, finaliza.
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