Cidades inteligentes ou resilientes?

Marcos Buckeridge explica que o embasamento científico e a proximidade às universidades são os principais pontos de sucesso para as políticas públicas de inteligência e resiliência urbana

 07/11/2024 - Publicado há 4 meses
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Imagem de uma ampla avenida onde se podem divisar vários tipos de veículos e também, pairando sobre estes, desenhos no formato de círculos representando cada qual um ícone relacionado a uma cidade inteligente
A ideia de cidades inteligentes muitas vezes está associada ao uso massivo de tecnologia, mas essa visão é limitada – Foto: 123RF
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As cidades resilientes e inteligentes são conceitos que, embora distintos, estão profundamente interligados no contexto urbano moderno, especialmente diante dos desafios das mudanças climáticas. Segundo Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências (IB) e vice-diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA), ambos da USP, as cidades resilientes são aquelas que têm a capacidade de reagir com bastante eficiência e rapidez aos estresses.

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“Os principais estresses são os relacionados às mudanças climáticas globais, por exemplo, uma seca muito forte, onda de calor, enchentes, como ocorreu no Rio Grande do Sul, e até mesmo a elevação do nível do mar em cidades que ficam à beira-mar. Esse nível de resposta eficiente é também uma resposta inteligente”, comenta. No entanto, ele ressalta que a inteligência das cidades não se limita ao uso de tecnologias, mas sim ao entendimento de como e quando aplicá-las.

Marcos Buckeridge – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Tecnologia inteligente

A ideia de cidades inteligentes muitas vezes está associada ao uso massivo de tecnologia, mas, conforme Buckeridge, essa visão é limitada. “Não adianta nada ter as tecnologias e não saber como elas são usadas, não ter regras e não saber o momento exato em que elas vão ser utilizadas”, afirma. Para ele, a relação entre inteligência e resiliência urbana vai além da simples implementação de dispositivos tecnológicos, sendo essencial uma gestão eficaz.

O especialista destaca que uma boa gestão utiliza as tecnologias à disposição da população, a fim de fazer previsões do que vai acontecer. “Previsão de tempo é uma das coisas que nós precisamos ter nas cidades inteligentes. Também precisamos ter previsão de clima, que é diferente da previsão de tempo, porque a previsão de tempo é para uma semana, enquanto a previsão de clima já é para mais tempo”, declara. Dessa forma, prever eventos como El Niño e La Niña pode ser crucial para evitar, por exemplo, um desastre maior quando ocorre uma enchente.

Contudo, ele ressalta que “as questões de previsão são muito importantes, mas elas têm uma ciência complicada”, o que demanda a colaboração com universidades e institutos de pesquisa. “As cidades inteligentes são também aquelas cidades que conhecem muito bem, trabalham junto às universidades que estão mais próximas a elas. Elas obtêm esse conhecimento, primeiro, e depois, para a colocação e aplicação da tecnologia, isso exige gestão e também legislação”, menciona.

De acordo com Buckeridge, existe um conjunto de fatores que as cidades têm que buscar para que elas sejam suficientemente inteligentes e possam ter essa resiliência urbana para evitar os problemas e desastres naturais. “Ter uma noção, por exemplo, do que existe no entorno, se pode haver escorregamento na cidade, montanhas próximas, lugares alagáveis e outros fatores. Conhecimento sobre si mesmo também é fundamental”, complementa.

Cidades inteligentes no Brasil

O professor também aborda o caso das cidades brasileiras que estão adotando o conceito de resiliência e inteligência, mesmo que muitas delas possam estar desenvolvendo ou mesmo aplicando projetos popularmente desconhecidos. Grandes centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte, além de Recife, no Nordeste, e Belém do Pará, já estão à frente na implementação dessas práticas.

Cidades do interior, como Campinas, Ribeirão Preto e São José dos Campos também têm se destacado. Buckeridge ainda observa que a última, em especial, está em uma posição estratégica do Estado paulista, com forte presença da engenharia, pessoas preparadas e colaboração com universidades próximas — como a própria USP —, o que fortalece sua preparação para resistir aos problemas futuros ligados às mudanças climáticas globais.

Apesar dessas iniciativas, a implementação de resiliência urbana enfrenta desafios. O docente aponta que, embora o Brasil tenha expertise na criação de projetos, o problema maior está na execução desses planos. A Iniciativa Construindo Cidades Inteligentes (MCR 2030) é um exemplo positivo do governo federal, mas sua aplicação depende da adaptação às particularidades de cada localidade.

“É preciso que cada cidade seja capaz de desenhar políticas públicas, levando em consideração o lugar onde essas cidades estão, quais são os principais pontos de ataque, em que a mudança climática pode afetar aquela cidade”, informa. Se uma cidade está à beira mar, no meio de um conjunto de montanhas, ou em um lugar onde sempre caem chuvas muito fortes, tudo isso deve ser levado em consideração. Buckeridge explica que as políticas públicas não são fáceis de serem feitas, pelo contrário, “são projetos muito complexos e que exigem uma interação entre a Universidade e a gestão pública, que pode levar anos para ser implantada e depois corrigida, se aquele projeto tiver erros”.

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O professor acredita que, com um bom plano de políticas públicas, pode haver um sucesso interessante para muitas cidades brasileiras. O problema é que existem cidades que ainda não conhecem muito bem a sua própria identidade, sendo necessário aprendê-la para começar a trabalhar nessa questão das políticas públicas. “O que é sempre muito importante é estar próximo à Academia, próximo às universidades, aos institutos de pesquisa, para que as políticas públicas sejam embasadas em conhecimento científico”, conclui.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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