Atos golpistas impactam a direita e a esquerda de forma diferente

Glauco Peres diz que a repercussão desses eventos faz com que a direita se mostre mais capaz de diálogo e de fazer uma oposição ativa ao governo Lula sem ser uma questão meramente ideológica, mas também programática

 20/01/2023 - Publicado há 1 ano
O Congresso não deve ser muito amistoso e nem fácil, até mesmo por conta do resultado acirrado da eleição presidencial – Foto: Agência Brasil
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Os atos golpistas ocorridos no dia 8 de janeiro, em Brasília, possuem repercussões tanto na esquerda quanto na direita. O professor Glauco Peres, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, analisa situações benéficas e prejudiciais para ambos os lados.

Do ponto de vista da extrema-direita, Peres pontua que os que mais saem “perdendo” são os movimentos próximos ao ex-presidente Jair Bolsonaro: “É muito difícil desvincular os acontecimentos ocorridos no dia 8 das atitudes que ele tomou ao longo dos anos. Você claramente viu um movimento dos políticos se afastarem dele e tentarem desvincular a sua imagem, na medida das respostas que foram dando, tentando deixar o Bolsonaro um pouco mais isolado do que já estava pelo fato de não ser mais presidente e de estar fora do País”.

Direita

No caso da direita moderada, chamada também de direita democrática, o professor relata que, com os acontecimentos do dia 8, criou-se uma oportunidade mais rápida de organização dessa parcela ideológica: “[Tem a oportunidade] De se mostrar mais capaz de diálogo, de se mostrar mais capaz de fazer uma oposição ativa ao governo Lula sem ser uma questão meramente ideológica, mas também programática. Eu acho que o dia oito de janeiro cria uma oportunidade, mais rápida do que a gente imaginava que seria, para que um certo arranjo da direita do espectro político se reorganizasse”.

Glauco Peres – Foto: FFLCH

A oportunidade não se limita apenas à organização. A ascensão de novas lideranças de direita é bem provável, como comenta Peres: “A direita tem uma oportunidade para que novas lideranças surjam e que consigam ocupar esse espaço que antes era ocupado pelo Bolsonaro. Existe um eleitor capaz de votar à direita em candidatos que se manifestassem assim, que têm uma determinada agenda econômica, por exemplo, mais liberal. Só que hoje não tem lideranças ou pelo menos não são óbvias. As lideranças possíveis, por exemplo, são os governadores do Estado de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. No Congresso, a gente tem os ex-ministros do Bolsonaro, alguns deles com essa capacidade também”.

Atual governo

A mobilização em prol do respeito à democracia brasileira não se limitou a apenas partidos de esquerda. O atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, “ganhou” um período menos caótico com a oposição dentro do Senado e do Congresso, como o professor explica: “Ele ganha um respiro, porque os eventos criam uma certa unanimidade ou quase isso. Pelo menos, no mundo político, todas as declarações, ou a absoluta maioria delas, foram no sentido de condenar o que aconteceu, exigir que fossem investigados, punidos, enfim, levados a julgamento. Isso cria a expressão de que, nesses momentos, ‘as pessoas seguem o líder’. Então, o presidente tem essa oportunidade de ocupar esse espaço de fato, mas isso vai durar pouco”.

Ele analisa que Lula pretende cumprir o papel de mediador e apaziguador, até mesmo por conta do resultado acirrado das eleições: “Não eram projetos que estavam sendo escolhidos, era um outro que estava sendo evitado“. Entretanto, o professor diz que isso não vai ser muito fácil: “O Lula, pessoalmente, tem manifestado uma certa compreensão desse papel de conciliador, de reconstrutor. Mas isso não me parece ser a maneira como o PT (Partido dos Trabalhadores) vê. Ele vem pleiteando cargos, por exemplo, ou até vetando nomes, como foi para a escolha dos ministros, criando certas dificuldades, meio que empurrando o governo para a esquerda, onde o PT se coloca. Eu pelo menos desconfio da existência de um embate interno entre o Lula e as lideranças do partido”.

Quanto à questão da aprovação de projetos, Peres crê que existirão dificuldades, mas depende de quem serão os presidentes: “A relação do governo com o Congresso, independentemente de quem assumir, só vai se tornar mais difícil ou mais fácil a depender de quem se torne presidente. Aparentemente, o Lula, pelo menos até agora, não teve grande movimentação para propor nomes. É como se ele aceitasse que as pessoas se mantivessem onde estão, o que causa alguma surpresa, dado o posicionamento favorável, por exemplo, que o Lira tinha com o Bolsonaro. Você não espera um alinhamento fácil do Lira com o Executivo, então, isso pode criar alguns problemas para o Lula. A gente aqui de fora imaginaria que ele ia propor um nome mais alinhado a ele e essa briga ele não comprou até agora”.

O professor ainda acrescenta que o Congresso não deve ser muito amistoso nem fácil, até mesmo por conta do resultado acirrado da eleição presidencial: “Não tem muita gente disposta a negociar, a ceder. Isso vai se tornar ainda mais evidente dependendo de quem for presidente da Câmara e do Senado”.


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