Arte contemporânea: entre não entender e se familiarizar

Heloisa Rodrigues Lima, do MAC-USP, comenta que as exposições podem ser confusas, mas fornecem caminhos para que todos possam gostar de museus

 02/08/2024 - Publicado há 7 meses
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Foto: acervo.mac.usp.br

 

“Não existe meio mais seguro para fugir do mundo do que a arte, e não há forma mais segura de se unir a ele do que a arte”, escreveu Goethe, escritor alemão do século 18. Mas com as remodelações modernas do meio artístico, a relação arte-mundo-público se tornou confusa para muitas pessoas: formas simplistas, estruturas com formas estranhas e muitas outras coisas que fazem o espectador se perguntar por onde começar.

A estética contemporânea e a percepção de significado na arte sofreu bruscas mudanças, em especial desde a Revolução Industrial, quando os meios de criação e as técnicas puderam assumir rumos inéditos. Agora, a arte não é só mais sobre pinturas de Mona Lisa ou esculturas de Michelangelo; a arte contemporânea propõe uma reflexão diferente. Quem explica melhor é Heloisa Rodrigues Lima, presidente da Comissão de Pesquisa do Museu de Arte Contemporânea da USP. “Em vez de você ter bronze ou cerâmica, você começa a ter uma série de novos materiais e as formas para se propor uma ideia aumentaram de um jeito muito radical”, reflete.

Por onde começar?

Heloisa Rodrigues Lima – Foto: Facebook/usp.mac

Quando Marcel Duchamp fez sua obra mais famosa, “A Fonte”, um urinol virado ao contrário, muitos não entenderam (e tampouco entenderam que não era para se entender). Acostumados com séculos de uma estética renascentista de beleza quase divina, os “leigos” podem ficar desorientados com a arte contemporânea. Mas esse sentimento não deve ser motivo de vergonha. Heloisa diz que mesmo ela, com décadas de experiência no meio artístico, sente confusão e inquietação em museus.

Quando se deparar com algo que o faça não ter nem ideia por onde começar, a sugestão que ela dá é simples: comece pelos recursos que o museu te dá. “Não é à toa que tem lá um pequeno texto. Sempre que você vai numa Bienal de Arte, sempre tem um texto de apoio.” Toda exposição conta com uma equipe de curadoria, que, dentre outras funções, também se ocupa em criar uma ponte entre a obra e o espectador. Podem ser textos de apoio, áudios ou recursos táteis que vão ajudar o público a seguir a trilha.

Mas a ideia também é que o espectador dê seus próprios passos e faça ele mesmo o seu caminho: “[Os recursos de apoio] não são para você liquidar o significado daquele objeto”, e faz parte da experiência “uma espécie de explosão na sua cabeça, para você pensar sobre várias coisas que você nunca tinha pensado”, diz a artista. Ela conta que muitas vezes ela mesma se deparou com uma obra e que não fazia ideia de como reagir. Confusa e desorientada, chegou em casa e pesquisou sobre o autor, a exposição e aos poucos foi criando uma relação com a arte. Essa curiosidade, segundo ela, é uma das maiores qualidades que um espectador pode ter.

Aparência importa, mas não só isso

Com as mudanças técnicas da arte, a estética também mudou. Hoje, a arte tem mais a ver com conceitos do que pinceladas de meio milímetro. O mais relevante é saber de onde vem aquele trabalho, que pode ser independente do resultado visual: “O que interessa muito no campo da arte contemporânea é entender quais são os os conceitos que aquela pessoa está procurando provocar”, explica Heloisa.

Do ponto de vista da curadoria, o que decide se uma obra apresentada é relevante ou não para ser exposta vem dos assuntos e formas como são abordados. “Isso é pertinente para o mundo que a gente vive? Isso é de fato importante para os problemas que encaramos hoje no nosso mundo?”, exemplifica ela. Isso é feito a partir de um processo de estudo e pesquisa, que vai desde a trajetória do autor, outros trabalhos já feitos e qual é o grau de inovação daquela obra. Se é um assunto já “batido” e apresentado sem inovação, ou seja, mais do mesmo, dificilmente a obra será considerada “boa”.

“O saber artístico contemporâneo deixou de ser um mero esculpir ou pintar, sendo mais um saber no sentido de lidar com toda essa carga informacional e visual a partir da técnica e dos materiais. É articular o domínio que você tem sobre isso”. Ela complementa: “Às vezes não é um resultado visual, às vezes é uma proposta de uma interação, de uma ação… Arte sempre vai ter a ver com política, com formas de pensar o mundo, experimentar o mundo e como podemos inventar novas maneiras de habitar o mundo”.

Sobre frequentar museus

Dentre tantos comentários, Heloisa destaca um que, para ela, é o resumo de tudo: ela deixa o convite para as pessoas virem aos museus. Ela reforça que os museus buscam ser um espaço de inclusão, não de exclusão. O incômodo de se sentir perdido pode inclusive fazer parte da experiência. A pesquisadora dá o exemplo da obra Foi assim que me ensinaram (Flávio Cerqueira), que faz uma autocrítica quase metalinguística da arte e dos espaços artísticos, e como o próprio artista muitas vezes se sentia à parte nesse mundo de criação. Mas é justamente isso que os museus não devem proporcionar, e Heloisa diz que a contribuição do público é essencial para democratizar esses espaços.

Num mundo em que somos bombardeados com informação, a arte é uma forma de não entregar as coisas tão mastigadas. É sobre uma interação mais complexa e madura do que as relações de forma e cor das propagandas, por exemplo. Frequentar museus e consumir arte é uma maneira de imaginar outras formas de se estar no mundo. Talvez a primeira vez estranhe, quem sabe a segunda também, mas ela diz que participando desse espaço, é possível criar familiaridade com ele – e, quem sabe, acabar gostando muito.

O Museu de Arte Contemporânea da USP funciona de terça a domingo, das 10h às 21 horas, e é gratuito. Ele fica bem ao lado do Parque Ibirapuera, na Av. Pedro Álvares Cabral, 1301 – Vila Mariana, São Paulo.


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