Ano Novo Chinês é um elemento fundamental para a identidade cultural chinesa

Com associação do calendário a animais, o dragão, celebrado neste ano, é muito especial: “Tipicamente, vai ser um ano em que os chineses vão fazer os seus projetos mais importantes”, afirma Antonio Menezes

 15/03/2024 - Publicado há 4 meses
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Representação de Zhulong em celebração ao ano novo lunar de 4722 (2024) em Guandong (Cantão), província da China – Foto: Uuongkinghe/Wikimedia Commons
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O ano de 2024, ou também 4722, de acordo com o calendário chinês, é considerado o ano do dragão para o universo cultural da China. Dessa forma, o Ano Novo Chinês é cercado de festividades, mitos, lendas e tradições culturais que possuem uma importância muito grande para o país.

Edelson Costa Parnov – Foto: Currículo Lattes

Edelson Costa Parnov, doutorando em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo, explica que o calendário chinês é lunissolar, ou seja, sua organização está baseada nos movimentos do Sol e da Lua. “Nesse sentido, é interessante que a palavra utilizada em chinês para se referir a mês e à Lua é a mesma, e a palavra utilizada para se referir a dia e ao Sol também é a mesma, então isso nos ajuda a entender esses dois pilares do calendário chinês”, complementa.

O especialista afirma que ele é composto de 12 ciclos lunares — vão do início da segunda lua nova, após o solstício de inverno, até o seguinte —, o que explica a passagem de ano não ter uma data exata, podendo ocorrer entre os dias 21 de janeiro a 20 de fevereiro. Dessa forma, o Festival de Primavera, como também é conhecido o Ano Novo Chinês, pode durar até 15 dias, mesmo com o feriado em si durando apenas uma semana.

Parnov comenta uma curiosidade do calendário: um ano comum tem 12 meses, com 29 ou 30 dias cada, e entre 353 e 355 dias no ano. Assim, um ano chinês bissexto não possui apenas um dia a mais, e sim um mês inteiro: “Sempre que há 13 luas novas em um mesmo ano, nós temos um ano bissexto do calendário chinês. E isso acontece a cada intervalo de 32 ou 33 meses, aí o acréscimo de um 13º mês ao ano, que passa a ter entre 383 e 385 dias”.

O doutorando ainda explica que, desde a sua criação, o calendário passou por diversas reformas e modificações ao longo da história chinesa, com a última no século 17. “Ele é criado, assim como os outros calendários mais ou menos contemporâneos, como calendário egípcio, para racionalizar e organizar o tempo, como uma forma de orientar as práticas da agricultura e da pecuária”, adiciona.

O professor Antonio José Bezerra de Menezes Junior, da FFLCH-USP, também explica que o seu uso não foi algo decretado recentemente, e sim uma tradição da alta antiguidade — segundo o docente, os calendários de culturas antigas geralmente são de base lunar — que se enriqueceu, ao longo dos séculos, de elementos culturais. Contudo, ele explica que, atualmente, os chineses usam o calendário ocidental para a vida pública e negócios, mas preservam a cultura local, utilizando o calendário chinês para festas e outras características culturais.

Mitos e associações

Sobre uma das explicações mitológicas da sua criação, Parnov comenta: “A mais difundida na China é que esse calendário teria sido criado por um governante mítico chamado Huang Di, que é o Imperador Amarelo. A ele, não só é atribuída a criação do calendário chinês, mas também a invenção da escrita chinesa, em caracteres, e também a invenção da medicina chinesa”.

A explicação para a associação do calendário com animais também é mitológica: “Algumas explicações dizem que foi Buda, outras que foi o Imperador de Jade, que é outra figura mítica chinesa, que eles teriam realizado uma festa de Ano Novo e convidado todos os animais da floresta para participarem dessa festa, porém só 12 compareceram. Outras versões dizem que foi realizada uma competição, uma corrida ou travessia de um rio”, explica o doutorando. As semelhanças desses mitos é que os animais teriam sido associados ao calendário chinês de acordo com a sua ordem de chegada.

Antonio José Bezerra de Menezes Junior – Foto: Currículo Lattes

Os 12 animais são, respectivamente: rato, boi, tigre, coelho, dragão, serpente, cavalo, cabra, macaco, galo, cachorro e porco. “Então esse ciclo de 12 anos sempre vai começar no rato e vai acabar no porco, e vai seguir a ordem que eu elenquei de animais. Nós temos um animal mítico, o dragão, cinco animais selvagens e seis animais domésticos. Esses animais, em todas as três categorias, eram animais que habitavam o universo cultural chinês”, afirma Parnov.

“Eles teriam influência no comportamento, na personalidade das pessoas nascidas no ano deles, então uma pessoa nascida nesse ano de 2024, que é o ano do Dragão, teria características ligadas ao dragão, como sabedoria, poder, carisma, e assim se daria com os demais animais”, complementa.

Sobre o dragão, Antonio Menezes afirma que ele é o animal de maior prevalência no calendário: “Ele é muito especial, então o ano do dragão é muito aguardado e desejado. Na cultura antiga, os chineses achavam que as pessoas que nasceram no ano do dragão tinham muita sorte, então o ano do dragão era um ano que nascia muita gente, mas tipicamente vai ser um ano em que os chineses vão fazer os seus projetos mais importantes”. Ele ainda complementa que, por nascer muitas pessoas nesses anos, o governo chinês chegou a dar incentivos para quem nascesse antes ou logo depois do ano do dragão.

O professor explica que, além dos animais, também são associados ao calendário cinco elementos, sendo eles a terra, o metal, a madeira, o fogo e a água. “Esses cinco elementos se combinam com os 12 animais, então vai ter o dragão de fogo, depois o dragão de água, e assim por diante, e essa combinação dá um total de 60 possibilidades, então 60 é considerado um ciclo completo. Na China e países que compartilham a mesma cultura, 60 anos é uma data muito importante na vida de uma pessoa porque ela completou um grande ciclo, então é como se ela estivesse renascendo e começando um novo ciclo”, afirma.

Importância cultural

O Ano Novo Chinês é o grande feriado do país e o ponto alto desse calendário. Menezes explica que, durante a data, os filhos voltam para os seus lugares de origem para rever seus pais, seguindo uma tradição de passar o feriado em família, o que gera um trânsito interno muito intenso no país dias antes da data. “Não é só uma questão de vínculo social, também tem um aspecto auspicioso, a família unida é um símbolo de boa sorte, para que tudo se realize no plano simbólico”, comenta.

“A importância é enorme, é a própria identidade chinesa. Tem um dia dessa semana que é muito importante, já que, segundo a tradição, o deus da fortuna visita as famílias, por isso é um dia que ninguém sai de casa. São tradições muito bonitas e interessantes, é algo que se desenvolveu ao longo de séculos, milênios”, acrescenta o professor.

Parnov também comenta: “Há decorações, tanto da rua, quanto das casas, e há um costume nas aldeias camponesas da China do filho do pai ir até os túmulos da família e convidar os espíritos ancestrais para se juntarem a eles naquelas festividades. Uma lenda chinesa diz que, nesse momento, as pessoas entram em contato com o mundo dos espíritos, e o deus do lar sobe para relatar o que aquele presenciou nos últimos 12 meses”.

“Há também uma outra lenda que diz que, certa vez, o deus do lar implorou para o Imperador de Jade acabar com os seres humanos. O imperador mandou os outros deuses irem para a Terra, ver com os próprios olhos o que se passava aqui, e encontraram os seres humanos se preparando, arrumando, organizando e embelezando tudo, e essa teria sido a origem do Ano Novo Chinês.”

Fora da China

O doutorando explica que a China, no seu período imperial, era um dos principais Estados do Leste Asiático, e o calendário chinês, assim como outras matrizes culturais do país, teve uma influência muito forte na sinosfera, ou seja, área de influência cultural chinesa.

No Ocidente, Menezes explica que essa influência demorou um pouco mais para acontecer: “A história da China no século 20 é bastante turbulenta, e ela passou por momentos de isolamento no período mais duro da revolução cultural. A partir do Deng Xiaoping, no final dos anos 70 começo dos 80, a China passa por uma transformação e começa a se abrir para o Ocidente. Então há um crescimento também das relações culturais, junto com o conhecimento econômico e a integração econômica com o Ocidente, incluindo o Brasil, também tem junto um aumento do intercâmbio cultural”.

Como exemplo disso, o professor cita a comemoração do Ano Novo Chinês no bairro da Liberdade, em São Paulo, que ocorre há alguns anos. “Então isso é uma coisa que não existia, o ano novo chinês era restrito às famílias chinesas. O aparecimento dessa festa é um sinal muito claro dessa integração e desse interesse dos brasileiros, dos ocidentais, pela cultura chinesa e oriental como um todo”, afirma.

Já Parnov alerta sobre a falta de conhecimento da cultura chinesa pela população brasileira, o que, muitas vezes, cria uma exotização do Ano Novo Chinês. “Além disso, esse exotismo é intensificado com matérias que, por exemplo, cobrem as migrações internas como uma grande loucura, ou não explicar que a contagem do tempo é diferente, então o jornalismo brasileiro peca nisso. Há um projeto de lei, o PL 300/21, que pretende incluir o Ano Novo Chinês no calendário de datas comemorativas brasileiras, e se for aprovado, vai ser um avanço muito interessante”, finaliza.

*Estagiário sob a supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira


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