A importância da assistência multidisciplinar nos cuidados às crianças traqueostomizadas

A otorrinolaringologista Renata Di Francesco diz que o acompanhamento especializado e multidisciplinar é importante mesmo depois de a criança submetida ao processo receber alta hospitalar

 15/02/2023 - Publicado há 1 ano
Ilustração de uma traqueostomia.

A importância da assistência multidisciplinar nos cuidados às crianças traqueostomizadas

A otorrinolaringologista Renata Di Francesco diz que o acompanhamento especializado e multidisciplinar é importante mesmo depois de a criança submetida ao processo receber alta hospitalar

 15/02/2023 - Publicado há 1 ano

Texto: Redação

Arte: Joyce Tenório

A Lei nº 14.249/21 instaurou o Dia Nacional da Criança Traqueostomizada, comemorado todos os anos no dia 18 de fevereiro.  O objetivo é sensibilizar médicos e a população sobre os cuidados necessários com essas crianças que passaram pela traqueostomia e agora dependem de acompanhamento para sobreviverem. Hoje, o maior problema encontrado no acompanhamento dessas crianças traqueostomizadas é em relação à falta de preparo, treinamento e disponibilidade de profissionais multidisciplinares. 

O Hospital das Clínicas está promovendo a conscientização sobre o assunto desde segunda-feira (13) em diversos hospitais espalhados por todo o Brasil. A campanha visa a levar o conhecimento e o entendimento sobre essa condição para a população. A Sociedade Brasileira de Pediatria estima que entre 0,5% e 2% das crianças submetidas à intubação orotraqueal prolongada – de 14 a 21 dias – necessitam de acompanhamento médico. A maioria delas tem menos de 1 ano. 

Traqueostomia

A sobrevivência de crianças que nascem com desconfortos respiratórios, de forma prematura, ou que possuem alguma deficiência é mais alta que antigamente. Essas crianças precisam ficar no berçário sob cuidados de UTI e algumas precisam de intubação orotraqueal. Pela dificuldade de respirar, elas precisam da respiração através de aparelhos, ou seja, por ventilação mecânica.

Para que isso seja possível, a criança precisa ser intubada: o tubo – também chamado de cânula – entra pela boca até a traqueia. Porém, um tempo depois do procedimento, o contato da cânula com a traqueia e com a laringe pode acarretar deformações, como estenoses (estreitamento), cicatrizes e granulomas (inflamação em forma de nódulo). Isso é um problema na hora de extubar: todo o processo fica mais difícil e perigoso.

Por isso, é recomendado que, depois de um curto tempo de ventilação mecânica, entre dez a 15 dias, caso a criança não tenha o prognóstico nem a previsão de extubação, deve ser submetida a uma traqueostomia. Mas o que é isso? “É a abertura da traqueia colocando a cânula direto na traqueia, preservando a laringe, órgão que é responsável pela respiração e pela fala”, explica Renata Di Francesco, otorrinolaringologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. 

Renata di Francesco. Foto: Arquivo pessoal/Reprodução

A traqueostomia foi muito utilizada durante a pandemia de covid-19, principalmente em adultos com quadros mais graves da doença respiratória. Isso pode acontecer fora do berçário, por malformações laríngeas e doenças que afetam a respiração por vias normais. “A grande questão disso é que essas crianças, na maioria das vezes, são submetidas nos berçários, nos neonatais, que são para esses recém-nascidos que necessitam de cuidados em hospitais, e na maternidade dos outros hospitais. Mas nem sempre essas crianças têm um acompanhamento disciplinar adequado”, diz a médica.

Cuidados depois da alta

Essas crianças, quando recebem alta e até mesmo outras, que necessitam de traqueostomia mais tarde, depois de um ano de vida – na maioria das vezes por conta do estreitamento da laringe –, caem na rede, que não possui acompanhamento especializado. Renata ainda lembra que é necessário que essa criança tenha a troca periódica da cânula, especialmente por conta das secreções e pela possibilidade de entupir o tubinho. “O que é uma coisa gravíssima, porque essa criança pode morrer de insuficiência respiratória em casa por um mau cuidado da traqueostomia”, diz a médica. A orientação das famílias para fazerem a aspiração corretamente e várias vezes ao dia é essencial. Esse procedimento, no entanto, requer insumos, como luvas, aspirador e cânulas de aspiração. O fornecimento desse material pelo SUS, porém, não é suficiente. 

Em primeiro lugar, a médica lembra que essas crianças estão mais suscetíveis à pneumonia e estão na fase da dieta líquida. Renata diz que é importante estimular o aleitamento materno, a passagem da comida líquida para a pastosa e, depois, para a sólida. “Tudo isso, numa criança traqueostomizada, é mais difícil. A gente precisa desse acompanhamento, não só do otorrinolaringologista, mas do fonoaudiólogo, às vezes um fisioterapeuta respiratório, outras um cirurgião torácico ou então um endoscopista. Essa criança precisa estar assistida por toda essa equipe”, diz.

Em um segundo momento é preciso programar e avaliar a condição respiratória para saber quando ela pode ser decanulada. É um processo que não é definitivo, é transitório e, por isso, é importante que a criança tenha acompanhamento e seja programada dentro das possibilidades e de acordo com a reabilitação respiratória. “Na intubação prolongada, muitos sofrem sequelas. Agora, a criança, por ser tão pequenininha, tem uma capacidade maior de se recuperar dessa situação”, lembra.

É um caminho longo e demorado para a criança chegar num atendimento multidisciplinar. A campanha de conscientização do Hospital das Clínicas entra exatamente nesse ponto: orientar que as famílias procurem acompanhamento, porque elas muitas vezes não sabem de todo esse apoio nem dos cuidados necessários. 

Como melhorar essa situação?

A Sociedade Brasileira de Pediatria diz que o SUS ainda não consegue fornecer os materiais necessários para esse processo. Além disso, será necessário um maior treinamento das equipes médicas. “A própria troca da cânula, porque a gente precisa fazer a cada seis meses, depende do tipo de cano e precisa ser feito por profissionais experientes, porque se a gente tira a cânula e fecha a via respiratória dessa criança, isso pode ser fatal”, diz Renata. “Seria importante que a gente tivesse profissionais em mais hospitais, que a gente pudesse ter esse apoio em outras cidades”, complementa. Ela ainda lembra que, se nos grandes centros isso já é um problema, as crianças que moram em cidades do interior têm que se deslocar quilômetros para trocar a cânula. 

Quanto melhor acompanhamento, melhor a recuperação. Ela também diz que é “muito importante que essa equipe acompanhe o desenvolvimento dessa criança, para que ela desenvolva a fala, porque, com a traqueostomia, a voz não sai porque o ar não passa pela laringe. Então, a criança precisa ser estimulada”.

“Promover, mesmo para uma criança traqueostomizada, que ela tenha um desenvolvimento, vamos dizer, dentro do possível, o mais próximo de uma criança normal. Que ela brinque, que ela consiga frequentar a escola. Tudo isso faz parte da orientação dessa equipe multidisciplinar”, finaliza a médica.


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