Foi lançado na segunda-feira, 16 de setembro, o novo Centro de Micologia Médica da América Latina (CMM Latam). Fruto de uma parceria entre o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e a Universidade de Exeter (UE, na sigla em inglês), na Inglaterra, a iniciativa dá início a um trabalho de gestão conjunta de uma unidade de micologia médica baseada na USP e ligada aos centros já existentes no Reino Unido e na África do Sul, além de uma futura sucursal que será estabelecida na Ásia, em local ainda a definir, compondo uma rede global integrada de laboratórios e pesquisadores. A Faculdade de Medicina (FM), a Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) também participam do projeto.
O evento inaugural ocorreu durante a abertura de um grande encontro internacional, Enfrentando Infecções Fúngicas Humanas na América Latina, que foi realizado no auditório da FM, entre os dias 16 e 17 de setembro, e reuniu cerca de 450 participantes de 46 países e 48 diferentes especialidades médicas. Entre os palestrantes, convidados de diversos Estados brasileiros e de países como o Reino Unido e Estados Unidos.
A proposta do novo centro é impulsionar a pesquisa e o treinamento médico em regiões onde infecções fúngicas vêm causando grandes prejuízos à saúde humana, o que deverá ocorrer por meio da criação, pela primeira vez na história da micologia médica, de uma rede global e integrada.
Segundo os organizadores do seminário, esse tipo de patogenia vem exercendo uma influência negativa relevante em humanos, animais e plantas, impactando a extinção de espécies, a segurança alimentar e em desequilíbrios do ecossistema. A cada ano, mais de 2 bilhões de pessoas são infectadas por fungos no mundo, com cerca de 1,6 milhão de mortes. No Brasil, são quase 4 milhões de pessoas sofrendo de infecções fúngicas severas. Ainda assim, esta área tem sido subestudada e subdiagnosticada quando comparada a outras doenças infecciosas.
O diretor do Centro de Micologia Médica de Exeter, Gordon Brown, celebrou o lançamento e destacou sua relevância: “Trata-se de um momento histórico para a medicina, com potencial de grande impacto para a pesquisa e o tratamento de doenças que vêm afetando seriamente milhões de pessoas todos os anos. Além disso, este é um passo importante para que possamos aumentar nossa interação e colaboração com a USP”.
Para o diretor local do CMM Latam, Arnaldo Colombo, “as doenças fúngicas têm tido um aumento substancial de incidência na América Latina, apresentando uma grande diversidade de patógenos, o que deve ser ainda mais agravado com o aumento da população suscetível a este tipo de infecção, como idosos, imunossuprimidos ou portadores de doenças crônicas”. Colombo ressaltou ainda o papel das mudanças climáticas: “Os desastres naturais e eventos extremos, como enchentes, que têm sido cada vez mais frequentes, também são fatores de risco de aumento para essas doenças”. E finalizou com um chamado à urgência para soluções: “Estamos falando de enfermidades que, mesmo quando não causam óbitos, podem ter sequelas severas e agressivas, resultando em mutilações que poderiam ser evitáveis. Desafios como altas taxas de subnotificação ou resistência às drogas precisam ser combatidas por meio de um ecossistema multidisciplinar com colaborações e sinergias”.
Presente na cerimônia, o reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior, afirmou que o novo centro tem importância estratégica: “A atual gestão da nossa instituição tem valorizado muito a internacionalização como ferramenta de melhoria da qualidade das pesquisas. Sabemos que mobilidade é importante, mas ter laboratórios internacionais funcionando dentro da USP, em rede com colaboradores do mundo todo, é uma oportunidade que ajuda a criar o ambiente internacional na própria Universidade”, comentou, lembrando ainda outras parcerias já em funcionamento, como o Institut Pasteur de São Paulo e o Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês para Centre National de la Recherche Scientifique), ambas em parceria com instituições francesas.
Carlotti chamou a atenção também para o novo contexto global e seus desafios para a área da saúde: “Estamos vivendo o Antropoceno e suas consequências para a vida humana. A temperatura global já atingiu pontos irreversíveis de aumento e segue caminhando para um nível que pode ser desastroso em termos de doenças e até mesmo riscos de novas pandemias. O único meio que temos para encarar esta realidade global preocupante é unir esforços para trabalhar conjuntamente e em rede”, conclamou.
Também participaram da solenidade a diretora do CMM Latam em Exeter, Elaine Bignell; o vice-presidente de engajamento global da UE, Richard Follet; a vice-cônsul-geral do Reino Unido em São Paulo, Sarah Clegg; a professora associada do CMM Africa, Claire Hoving; e a codiretora do Centro de Pesquisa Médica Tropical para a Talaromicose do Vietnã, Thuy Le.
O funcionamento do novo centro
O novo centro estará focado em cinco temas centrais: Evolução Microbiana e Patogênese (foco na interação hospedeiro-patógeno, resistência a medicamentos, desenvolvimento de vacinas e terapias alternativas); Biomarcadores e Diagnósticos (identificação de novos biomarcadores e ferramentas de diagnóstico); Carga, História Natural e Gestão Clínica (obter dados epidemiológicos e ferramentas de pesquisa e validação de novas estratégias diagnósticas e terapêuticas); One Health (redes interdisciplinares com foco nas interconexões entre saúde animal, mudanças ambientais e climáticas como fatores que contribuem para a infecção humana e monitoramento da transmissão zoonótica de fungos para hospedeiros humanos) e Educação e Extensão (capacitação para aumentar a expertise em micologia médica básica e clínica e melhorar o conhecimento das modalidades diagnósticas e terapêuticas e atividades de extensão, visando a aumentar a conscientização pública sobre o impacto das infecções fúngicas humanas).
A partir destes temas, será feita uma chamada de projetos que abordem questões científicas específicas de relevância translacional para o Brasil e a América do Sul, que deverão envolver pelo menos dois pesquisadores trabalhando em diferentes locais. Será dada preferência a projetos interdisciplinares envolvendo colaborações com cientistas de fora do Estado de São Paulo, incluindo o resto da América Latina e/ou o Reino Unido.
A Universidade de Exeter investirá 1 milhão de libras esterlinas no projeto (equivalente a cerca de R$ 7,3 milhões) para custeios de pesquisas com insumos, bolsas, contratações e equipamentos.