Tendo assumido a Reitoria da USP há quatro meses, tenho o dever de esclarecer a sociedade sobre as dificuldades a enfrentar, nos próximos anos, para restabelecer a normalidade financeira da Universidade. Estou certo de que, com transparência e a participação efetiva da comunidade universitária, alcançaremos sucesso nessa empreitada, de interesse público e responsabilidade comum de todos os membros da instituição.
Diferentemente do afirmado pelo ex-reitor João Grandino Rodas, no artigo “O orçamento da USP”, publicado pela Folha na quarta-feira (21), o conhecimento pleno do cenário orçamentário da Universidade restringia-se a poucas pessoas, entre as quais não estavam incluídos os pró-reitores e a grande maioria dos dirigentes da USP.
Muitas das decisões que levaram à conjuntura atual, como a compra de imóveis, não passaram pelo crivo do Conselho Universitário, tendo sido aprovadas apenas ad referendum da Comissão de Orçamento e Patrimônio. Não houve aprovação colegiada de um plano de obras para a Universidade e nem mesmo a convocação do Conselho Universitário para a discussão e aprovação do orçamento de 2014.
Em relação à folha de pagamento, cerne da dificuldade financeira da USP, nos orçamentos aprovados pelo Conselho Universitário para 2012 e 2013, os gastos foram fixados em 85% e 92,8%, respectivamente. No entanto, o realizado foi de 95% e 100% naqueles dois anos. Os repasses do Estado cresceram 50% entre 2009 e 2013, mas os gastos com pessoal encareceram 83% no mesmo período. Nesses quatro anos, a inflação medida pela Fipe foi de 23% e os reajustes nos salários, concedidos pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), atingiram 29%. Hoje, o comprometimento das receitas com a folha de pagamento já ultrapassa a casa dos 105%.
Não se discute que o maior patrimônio da USP são seus recursos humanos, que devem receber salários dignos e compatíveis com sua atividade profissional. Trata-se de uma questão de planejamento e responsabilidade social e financeira.
A Universidade, no processo em curso de revisão de seu estatuto, deverá incorporar a seus dispositivos internos o princípio da responsabilidade fiscal, adequando, de maneira transparente e democrática, o equilíbrio entre as necessidades e os recursos disponíveis, a curto e médio prazos.
A reserva financeira da Universidade visa precaver a instituição de eventual redução no ritmo de crescimento da economia, pagamento de demandas judiciais e investimentos de grande monta. No final de 2012, a USP possuía R$ 3,2 bilhões, incluído nesse valor quase R$ 1 bilhão de receitas próprias, convênios e economia orçamentária de várias Unidades. Em 2013, esse valor baixou para R$ 2,5 bilhões e, nos três primeiros meses deste ano, atingiu R$ 2,3 bilhões, em função de compromissos assumidos anteriormente.
Se a atual gestão não adotasse medidas emergenciais para contenção de gastos, como a suspensão de novas contratações e o início de novas obras, essa reserva se esgotaria rapidamente, colocando a USP em uma condição financeira ainda mais difícil.
A situação se reveste de uma gravidade que não é correto negar, mas cabe à Reitoria enfrentar as dificuldades com serenidade e firmeza. E, sobretudo, com a convicção de que a USP é maior do que seus dirigentes e saberá superar as adversidades, mantendo sua importante contribuição para o desenvolvimento científico, social e cultural do Estado de São Paulo e do Brasil.
Marco Antonio Zago, 67, é professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e reitor da USP
(Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 26/05/14)