Com uma programação de eventos voltados para discutir o passado, o presente e o futuro, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) comemora, em 2019, seus 85 anos de fundação. A série de atividades intitulada “Patrimônio Inestimável”, que segue até o dia 4 de dezembro, inclui a inauguração de espaços que homenageiam professores e alunos e, ainda, uma conferência sobre os desafios atuais.
A cerimônia de abertura das festividades foi realizada na última segunda-feira, dia 2, no anfiteatro Camargo Guarnieri, no campus da USP em São Paulo, e reuniu dirigentes e ex-dirigentes da Universidade, além de professores, alunos e servidores técnicos e administrativos da unidade.
“Esta faculdade cumpriu o papel de congregar as instituições profissionais previamente existentes, criar carreiras científicas anteriormente ausentes no País e, sobretudo, formar o núcleo de estruturação da vida acadêmica”, afirmou a diretora da FFLCH, Maria Arminda do Nascimento Arruda, em seu discurso.
A criação da USP se deu por meio do decreto estadual nº 6.283, do interventor federal do Estado de São Paulo, Armando de Salles Oliveira, que reuniu as escolas de nível superior preexistentes em São Paulo – Faculdade de Direito, Escola Politécnica, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Faculdade de Medicina, Faculdade de Medicina Veterinária, Faculdade de Farmácia e Odontologia e Instituto de Educação – e criou a então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), como um foco de cultura e de pesquisas científicas.
A FFCL foi planejada para ser o centro da Universidade, responsável pelo estabelecimento de organicidade na diferenciação dos vários campos do conhecimento que a compunham – ciências exatas, humanas e biológicas. Em 1969, com a reforma universitária e a instituição do novo Estatuto da USP, foram criadas novas unidades de ensino e pesquisa decorrentes do desdobramento da faculdade, tais como o Instituto de Psicologia, o Instituto de Química, o Instituto de Física e o Instituto de Matemática e Estatística.
“A FFLCH manteve-se integrada por 35 anos até 1969, quando um conjunto de programas políticos institucionais e acadêmicos levou à separação das ciências básicas, naturais e pedagógicas das ciências humanas e sociais. No transcurso daqueles tempos politicamente sombrios, a faculdade se desmembrou em institutos, que se reforçaram nas respectivas especialidades”, destacou Maria Arminda.
Para ela, “essas mais de três décadas de união foram essenciais e resguardaram dimensões do projeto fundador, particularmente em momentos em que a atmosfera da nação torna-se rarefeita do ponto de vista civilizacional, reiteradamente exposta no momento atual. As comemorações de 85 anos significam muito mais do que trazer à lembrança o passado, mas antes uma ocasião para enaltecer publicamente esse legado e expandir a identidade da USP, por vezes incompreensivelmente questionada”.
O reitor da USP, Vahan Agopyan, ressaltou a importância de “se lembrar do passado para planejar o futuro”. “Nossos fundadores tiveram a ousadia de instalar uma faculdade que pudesse amalgamar as unidades já existentes, de criar uma união. Foi uma postura corajosa trazer jovens promissores do exterior e implantar aqui o conceito de indissociabilidade do ensino e da pesquisa, que não existia na América Latina, apesar de esta já ter universidades há mais de quatro séculos”, afirmou.
Agopyan se referiu à iniciativa do primeiro diretor da FFLCH, Theodoro Ramos, de viajar para a Europa com a missão de recrutar os melhores professores estrangeiros. Nessa época, foram contratados nomes como Gleb Wataghin (Física Geral e Experimental); Heinrich Rheinboldt (Química); Pierre Deffontaines (Geografia); Claude Lévy-Strauss (Sociologia); Fernand Paul Achille Braudel (História da Civilização); Roger Bastide (Sociologia), entre outros.
Prova de fogo
Após os discursos, o palco foi tomado pelos atores e atrizes que fizeram a leitura cênica da peça teatral Prova de Fogo, sobre a ocupação pelos estudantes da sede da faculdade na Rua Maria Antonia, em 1968, em protesto contra a ditadura militar e a reforma universitária.
Prova de Fogo foi escrita por Consuelo de Castro, que ingressou como aluna no curso de Ciências Sociais em 1964, aos 18 anos. Seu primeiro dia de aula, 1º de abril, coincidiu com a instauração do golpe que deu início aos 21 anos de ditadura militar no País. Consuelo participou ativamente da ocupação do prédio no ano de 1968, período em que escreveu seu primeiro texto teatral. Premonitória, a peça concluída no mês de maio antecipava os trágicos acontecimentos que viriam a ocorrer nos dias 2 e 3 de outubro do mesmo ano e que ficaram conhecidos como a Batalha da Rua Maria Antonia.
A leitura cênica da peça teve participação de alunos recém-formados da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da própria FFLCH e também da comunidade externa, com direção de Abílio Tavares.
A primeira montagem da peça foi realizada em 1975, com o título alterado para Invasão dos Bárbaros, no prédio ainda em construção dos cursos de Filosofia e Ciências Sociais na Cidade Universitária, por um grupo de estudantes de Ciências Sociais e Biologia, dirigido por Tim Urbinatti. Em 1993, foi encenada profissionalmente e dirigida por Aimar Labaki, no Edifício da Maria Antonia, 25 anos após a expulsão da faculdade do local.