Afinal, quem é Exu? O controverso orixá, tão mal visto por muitos, é o tema central de um livro que acaba de ganhar o Prêmio Jabuti, na categoria Ciências da Religião e Teologia. Trata-se de Exu-Mulher e o Matriarcado Nagô (Editora Fundamentos do Axé), escrito pela jornalista e pesquisadora Cláudia Alexandre.
A obra é resultado do estudo de doutorado da jornalista realizado na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Atualmente, Cláudia integra o programa de pós-doutorado na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, onde estuda as relações entre as escolas de samba de São Paulo e as religiões afro brasileiras sob a supervisão do professor Vagner Gonçalves da Silva, da FFLCH.
Em Exu-Mulher e o Matriarcado Nagô, Claudia Alexandre traz um debate inédito para o estudo das tradições e religiosidades afro-brasileiras sobre o controverso orixá. Na região africana da Iorubalândia, alguns grupos realizam rituais específicos nos quais figuras de Exu – masculina e feminina – evidenciam as diferenças anatômicas do par: ele com falo desproporcional, apito e gorro; ela com seios e vulva demarcados e à mostra, jóias e, às vezes, acompanhada por uma figura que remete a uma criança.
As imagens possuem penteados alongados, uma marca da identidade do orixá.
Em certos lugares, Exu é cultuado exclusivamente por mulheres e está associado à fertilidade, à fecundidade e à maternidade. Como descreve a pesquisadora, na cosmogonia iorubá, Olodumarê constituiu Exu com os dois princípios. Na formação dos candomblés de tradição iorubá-nagô, cujos terreiros cultuam Exu/Legba/Elegbará, o racismo religioso ganha centralidade a partir da figura de Exu e reivindica seu lado feminino, algo pouco explorado na literatura.
Masculinização e demonização
Cláudia descreve que a masculinização e a demonização foram as principais transformações que Exu sofreu na travessia atlântica. “Na África Ocidental, são bem conhecidas as representações ambíguas de Exu, diferente de como foi introduzido nos terreiros brasileiros”, ressalta. Mesmo nos três terreiros fundantes dos candomblés de Salvador – Casa Branca do Engenho Velho, Ilê Opó Afonjá e Terreiro do Gantois –, que ainda mantêm o sistema matriarcal e são liderados por mulheres, houve tensões na relação com Exu, exigindo dissimulações e negociações das ialorixás com relação à dominação da Igreja.
Essa questão demonstra como as religiões de matrizes africanas estão submetidas à dominação patriarcal. Para as primeiras mulheres de terreiro, o Exu demonizado se transformou em elemento demonizante, e o destaque dado ao falo na representação da divindade, como símbolo de sua masculinidade, teria excluído completamente os traços de feminilidade. No início, havia resistência por parte de antigas lideranças em iniciar filhos e filhas de Exu – em muitos casos, substituído por Ogum –, e as justificativas só reforçavam o imaginário demoníaco imposto à divindade.
De acordo com a pesquisadora, esses constrangimentos podem ter levado ao ocultamento e ao silenciamento de assuntos referentes à existência do feminino de Exu. ”Ele é o senhor do movimento que mantém o equilíbrio vital e distribui em partes iguais o essencial aos seres viventes para que haja fertilidade e vida constante. Chama atenção o fato de que a figura feminina de Exu, além de não ter sido introduzida nas representações do orixá no Brasil, é desconhecida em algumas casas e assunto silenciado nos terreiros mais tradicionais”, afirma Cláudia.
*Por Nilda Pais, do Serviço de Comunicação da FFLCH, com informações da Editora Aruanda e edição de Antonio Carlos Quinto