Estudantes com diagnóstico dentro do Transtorno do Espectro Autista podem solicitar adaptações em atividades acadêmicas

Institutos da USP começam a adotar medidas de inclusão conforme prevê lei estadual; na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), alunos já podem solicitar adaptações nas atividades avaliativas

 Publicado: 03/07/2024
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Ilustração do coleticvo autista mostra diferentes mãos de calouros autistas (diagnosticados ou autodiagnosticados)
Adoção do Protocolo Individualizado de Avaliação (PIA) para alunos portadores de TGD foi possível por meio de uma portaria – Foto: Reprodução/Instagram


Alunos da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP diagnosticados com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) já podem solicitar adaptações nas atividades avaliativas do curso, além de outras medidas especiais, como local reservado, assistência individual e/ou extensão do tempo para realização das tarefas. 

A medida é possibilitada por uma portaria da instituição, publicada em maio deste ano, que determina a adoção do Protocolo Individualizado de Avaliação (PIA) para alunos portadores de TGD. 

André Silva – Foto: Arquivo pessoal

André Silva, professor e vice-presidente da Comissão de Inclusão e Pertencimento (CIP) da FEA, explica que a portaria foi motivada pelo estabelecimento da Lei 17.759, que dispõe sobre o Protocolo Individualizado de Avaliação para os alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento em todas as instituições de ensino do Estado de São Paulo. 

“Com o protocolo, a gente supera a questão de depender da empatia dos professores em fazer uma concessão e passa a assegurar um direito aos nossos estudantes. Junto com os protocolos, é enviado um guia prático que explica sobre a Lei [17.759] e sobre como os professores podem endereçar essas demandas, que vão surgir cada vez mais. É uma tentativa de apoiar a formação da nossa própria comunidade docente para o acolhimento e para assegurar a execução desse direito dos estudantes”, explica o docente. 

Antes da aprovação do documento, a luta pela inclusão já era pauta na Universidade. Em 2022, a iniciativa do estudante Silvano Furtado promoveu a elaboração da Política de Acessibilidade Pedagógica (PAP) na Faculdade de Direito (FD) da USP. A Escola de Engenharia de Lorena (EEL) também aderiu ao PAP. 

Organização estudantil 

Raquel Gomide cursa o último semestre do curso de Administração na FEA e é membro do Coletivo Autista da USP. Em janeiro, ela recebeu o diagnóstico de autismo com nível 1 de suporte e de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade – TDAH. 

Raquel Gomide – Foto: Arquivo pessoal

“O autismo fez parte da minha jornada de um jeito muito agridoce. Hoje, eu entendo as minhas dificuldades, mas eu passei muito tempo sendo completamente negligenciada tanto pela faculdade quanto pelos psicólogos e psiquiatras. Eu passei anos sem entender o que estava acontecendo comigo e por que eu não me saía tão bem academicamente naquilo que era núcleo comum do curso, enquanto tinha tanta facilidade em outras matérias”, relata a estudante.

Raquel conta que essa situação se dava em decorrência dos hiperfocos. O hiperfoco é um estado de concentração intensa, em que as pessoas se dedicam inteiramente a um determinado assunto ou tarefa. “Eu tive alguns hiperfocos direcionados para a minha graduação. Nessas matérias, eu acabava tendo um desempenho muito acima da média. Mas, nas matérias que não me despertavam interesse, eu cheguei a ficar com dependência algumas vezes.”

Além das dificuldades relacionadas à própria manifestação do autismo, ela diz ter enfrentado certa inflexibilidade de alguns professores: “Se você falar com pessoas autistas de outros cursos, vai perceber que é uma coisa unânime. Essa rigidez dos professores na hora de nos avaliar transforma a experiência acadêmica, algo que a gente escolheu fazer, em algo insuportável e insustentável. Se houvesse equidade de condições para que a gente conseguisse ter um curso de qualidade, com certeza nós não passaríamos por tantos problemas”.  

“Já passou da hora de adotar medidas de diversidade e inclusão. Isso deveria existir há muito tempo, porque pessoas com deficiências sempre existiram”

Entretanto, Raquel aponta para um avanço no acesso aos diagnósticos e no combate à estigmatização da doença. “Parece que a pessoa autista tem que ter um estereótipo x, y ou z, mas não é assim. Quando falam sobre os níveis de suporte do autismo, mesmo o nível 1, que significa pouco suporte, não significa que seja nenhum suporte.”

A estudante pontua que a adoção ao Protocolo Individualizado de Avaliação pelas unidades da Universidade é uma demanda do Coletivo Autista da USP, mas que as reivindicações vão muito além: “Essa foi uma vitória, mas não temos discutido só essa demanda. O autismo é considerado uma deficiência por lei e temos o direito, enquanto pessoas com deficiência, a essas adaptações. Tudo que a gente puder fazer para que mais pessoas consigam concluir os seus cursos e serem inseridas no ambiente acadêmico, a gente discute sim”. 

Classificação

A portaria abrange os diagnósticos classificados como Transtornos Globais de Desenvolvimento (CID F84), de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Consideram-se pessoas com Transtornos Globais do Desenvolvimento as que apresentam “alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e da comunicação, ou repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo”. 

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O Transtorno do Espectro Autista (TEA) costumava estar incluso na definição dos Transtornos Globais do Desenvolvimento. Com a publicação da 11ª versão da CID, o TEA ganhou uma categoria à parte, indicada pela sigla CID6A02, que engloba a maioria dos diagnósticos em diferentes subcategorias de acordo com prejuízos na linguagem funcional e deficiência intelectual. A exceção é a Síndrome de Rett, que não foi integrada a essa nova classificação, ficando sozinha e com o código LD90.4.

Para solicitar as adaptações, os estudantes deverão preencher um formulário fornecido pela instituição e apresentar um laudo elaborado por profissional habilitado com indicação da CID e das adequações necessárias no processo avaliativo. Após analisados pela Comissão de Graduação ou Pós-Graduação, os pedidos são encaminhados à Comissão de Inclusão e Pertencimento, que irá registrar o protocolo e informá-lo à Coordenação de Curso. 

*Maria Trombini, estagiária sob supervisão de Antonio Carlos Quinto, com informações de Diego Coppio, da FEA USP


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