Todas as pessoas têm potencial para ajudar a transformar a sociedade por meio da criatividade, agindo em favor de uma realidade mais igualitária. Pensando nisso, a advogada Maria da Glória Prado criou o Projeto Arte Social. Segundo essa iniciativa, Maria da Glória vende artes digitais de sua autoria através do Instagram (@projeto.artesocial) e todo o lucro obtido – tirando o custo de impressão – é revertido para uma instituição de caridade. A advogada é formada em Direito pela Faculdade de Direito da USP, onde também concluiu o doutorado, em 2015.
As três artes vendidas por Maria da Glória, chamadas Disritmia, Epifania e Eutimia, compõem a série Na Pandemia. As impressões, feitas a tinta a jato em papel fine art em um estúdio de arte, apresentam as dimensões de 24 por 32 centímetros. O valor de cada trabalho é de R$ 120,00, mais o custo de entrega. Até esta quinta-feira, dia 15, já tinham sido vendidas 111 impressões, totalizando R$ 8.200,00 em doações feitas para a ONG Dois Pães e um Pingado, de São Paulo, que auxilia moradores de rua com alimentação e itens de necessidade básica.
“Com a deflagração da pandemia em 2020 e a consequente quarentena, voltei a desenhar, um hábito que tinha deixado”, conta Maria da Glória. Embora seu objetivo inicial fosse desenhar apenas para se distrair, ao compartilhar seus desenhos no Instagram ela foi questionada se pretendia colocá-los à venda. Foi a partir disso que o Projeto Arte Social tomou forma. “A frequência dos desenhos aumentava de maneira paralela a conversas com amigos próximos a respeito do que poderíamos fazer e como poderíamos nos organizar para, de alguma maneira, ajudar as pessoas mais impactadas pela pandemia no nosso País. Acho que daí a ideia de vender os desenhos com esse propósito acabou sendo natural”, afirma.
A advogada decidiu que gostaria de ajudar no combate à fome, diante do agravamento desse problema no Brasil durante a pandemia. “Eu já acompanhava o trabalho da ONG Dois Pães e um Pingado, que presta assistência à população em situação de rua na Sé, no centro da cidade, o que especialmente me sensibiliza”, diz ela. “Lembro que eu reparava em tanta gente precisando de ajuda nos arredores da Catedral da Sé, situação que vi se agravar com o passar dos anos frequentando a Faculdade de Direito, que fica naquela região. Acho que a escolha da ONG acabou sendo, por isso, bastante natural”, afirma Maria da Glória.
Segundo ela, a escolha dos desenhos para a inauguração do projeto foi intuitiva. “Os três trabalhos colocados à venda já tinham sido desenhados um ano antes do lançamento”, explica. “A série já tinha esse nome desde a concepção e representa, para mim, alguns estágios desse período tão difícil.”
Para Maria da Glória, a percepção dos trabalhos é muito pessoal, sendo a ordem Disritmia, Epifania e Eutimia a que faz mais sentido para ela. “Tem sido bem curioso ouvir das pessoas o que cada um dos trabalhos representa e qual seria ‘a melhor sequência’ para eles, com base no nome dos desenhos e na interpretação própria que fazem deles”, conta.
O primeiro desenho feito foi Epifania, influenciado por um trabalho da artista italiana Giulia Rosa. “Ela desenha num estilo bastante peculiar e bonito e se autointitula ‘artista cômica’ por trazer com frequência traços de humor às obras”, explica Maria da Glória. “Tem uma gravura de que sempre gostei muito: é uma menina dentro de uma casa no formato de coração, parecendo extremamente confortável acompanhada de seu gato e de seu livro”, detalha sobre a inspiração.
“O Epifania, para mim, surgiu como uma contraposição desse trabalho, talvez até fruto de uma pequena epifania pessoal. Na pandemia, há que se voltar os olhos para dentro, mas de maneira ‘mais ativa que passiva’”, reflete Maria da Glória. “Devemos todos aproveitar esse tempo para pensar e repensar no que importa de verdade e tirar, do coração, boas ideias para seguir em frente – porque as boas ideias, sempre acreditei, vêm mesmo de lá.”
Em seguida, nasceu o desenho Disritmia, fruto de um esboço, que apresenta uma menina em uma corda bamba, em um momento que Maria da Glória chamou de “um dia de sobressaltos”. Por último, Eutimia surgiu como esperança de dias melhores, “esperança de que o coração não deveria se esquecer”, diz.
Para o Projeto Arte Social, a advogada está preparando uma segunda série, que se chamará Abraço e deve ser lançada nesta sexta-feira, dia 16. Composta de duas artes digitais, a ideia é destinar o lucro da venda desta vez para outra ONG, a Banho Solidário Sampa, também de São Paulo. O objetivo dos novos desenhos é, segundo Maria da Glória, celebrar o tão aguardado pós-pandemia e possibilitar um abraço figurado, enquanto o momento não chega.
“O projeto me aproximou e reaproximou de muitas pessoas queridas. Durante dois meses, além de ter a certeza de que esse projeto é de fato coletivo, passei a sentir que o envio de cada trabalho aos ‘participadores’ (quem adquire uma obra), depois de tantas mensagens trocadas, era uma maneira de materializar um reencontro possível, de matar um pouco as saudades nestes dias de distanciamento social”, reflete. “Quase como se o trabalho enviado abraçasse quem o recebesse. Por que não fazer então o desenho de um abraço? A isso, somou-se o fato de que, se tudo correr bem, logo poderemos todos nos abraçar de verdade”, completa Maria da Glória.
Arte como forma de mudança social
A advogada considera que o Projeto Arte Social nasceu da sucessão de alguns eventos esparsos de sua vida, relacionados ao contato com a arte. Ela cita, em primeiro lugar, uma exposição sobre o artista alemão Joseph Beuys (1921-1986), que visitou em 2018 em Londres, na Inglaterra. “Eu não conhecia o artista e fiquei fascinada pela teoria desenvolvida por ele nos anos 1970, segundo a qual a vida é uma escultura social que todos podemos contribuir para moldar, a partir do potencial revolucionário da criatividade humana”, diz.
Outro evento foi a exposição Somos Muit+s: Experimentos sobre Coletividade, promovida pela Pinacoteca do Estado em 2019. “Essa mostra abordava, dentre outros temas, a ideia do impacto social da arte, e explorava produções artísticas que propunham construções com a participação do espectador, dentre as quais as obras de Mônica Nador, Hélio Oiticica e, justamente, Joseph Beuys”, conta Maria da Glória. Ela destaca que participou de aulas da chamada Escola de Arte Útil, movimento criado pela artista cubana Tania Bruguera, destinada ao estudo da arte como ferramenta de transformação social. A iniciativa pedagógica aberta ao público alimentou o interesse de Maria da Glória pela temática da arte como vetor de mudança social — que seguiu crescente e culmina, hoje, no Projeto Arte Social.
As obras Disritmia, Epifania e Eutimia, de Maria da Glória Prado, podem ser adquiridas através do Instagram do Projeto Arte Social neste link. Cada uma custa R$ 120,00, não incluído o valor da entrega.