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O Teatro da USP (Tusp) recebe por curta temporada o espetáculo Demônios, obra que propõe uma reflexão sobre as dificuldades enfrentadas pela população LGBT na atualidade. A peça fica em cartaz de hoje, dia 28 de junho, até 15 de julho.
Demônios aborda as mazelas que atingem o homem homossexual nas grandes cidades. A peça é formada de três atos. Cada um deles é representado por uma cor diferente e reflete sobre um dos demônios que assolam a população gay masculina na contemporaneidade. Sob tons de vermelho, o primeiro ato discute o que Marcelo D’Avilla, um dos dois diretores da peça, chama de “potências artificiais”: “Rotinas, consumos, mundo capitalista, internet, coisas que têm a ver com descarte e violência”. Já o segundo ato aborda temas como depressão, solidão e melancolia. “No bloco preto pretendemos falar desse escuro da alma, desse outro lado do corpo que ninguém quer falar sobre”, conta. O espetáculo se encerra com o branco, que, de acordo com o diretor, “reflete o atual momento higienista que a sociedade vem passando”, discutindo temas como a recente ascensão do neofascismo e do conservadorismo.
A peça pode ser definida como um híbrido entre dança e teatro. A ideia de aplicar esse tipo de prática artística surgiu com Marcelo Denny, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA), que também dirige o espetáculo. Há cerca de oito anos, ele ajudou a criar na Universidade uma disciplina sobre “práticas performativas”, voltada para alunos de Artes Visuais e Artes Cênicas. “As práticas performativas congregam uma certa polifonia de expressões artísticas que estavam meio bastardas, não ligadas às grandes linguagens das artes. É um lugar de cruzamento entre linguagens, um lugar transdisciplinar, e talvez por isso seja a linguagem artística mais rica.”
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Uma característica importante da questão performativa é seu afastamento da ficção. Renato Teixeira, um dos atores do espetáculo e aluno do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da USP, explica como isso ocorre na prática. “Nós, atores, trazemos muito da nossa vivência para a peça. Na construção de cenas, e mesmo nos ensaios, cada um traz sua vivência, suas memórias, e isso acaba sendo moldado pela dramaturgia.” Dessa forma, é de suma importância que os atores se identifiquem com o tema da peça. “Não podemos trabalhar desse modo se não estivermos associados ao assunto abordado”, conta ele. Assim, o recorte temático que traz Demônios, na direção de homossexuais homens, tem muita influência das próprias características de seus atores.
Conectada a essa questão da performance está a relação íntima do espetáculo com o homoerotismo, através de um campo de pesquisa conhecido como homo eros. “A pesquisa homo eros fala sobre o erotismo no campo geral, relacionado ao corpo masculino e seu status”, conta D’Avilla. Em Demônios, o objetivo é tentar refletir sobre essas questões de forma artística, através da performance.
A ideia para o espetáculo surgiu enquanto D’Avilla procurava em antigos rascunhos. “Achei anotações de 2002 sobre uma peça que falava dos pecados. E eu falei pro Denny: ‘Acho que podíamos tentar uma coisa diferente, podemos tentar falar dos pecados, mas não por uma ótica judaico-cristã.” A ideia foi amadurecendo, até que os diretores chegaram ao clássico Divina Comédia, de Dante Alighieri (1265-1321). Na obra, os demônios eram responsáveis pelos anéis do inferno que separavam cada tipo de pecador. “Nós ficamos instigados com a ideia e começamos a pensar quais seriam esses demônios atuais, que assolam a vida do homossexual masculino em São Paulo.”
A imersão é outro ponto presente em Demônios, desde o cenário até a trilha sonora. A ideia é ampliar o espaço sensorial do público. Como o espetáculo é inteiramente mudo, a musicalidade é muito explorada. “Existe todo um trabalho de dramaturgia sonora que cria essa atmosfera. Todos da plateia utilizam um fone de ouvido, por onde é reproduzida a trilha sonora através de um sistema chamado de binaural”, explica Denny. Esse sistema, além de intimista, pretende confundir o público que muitas vezes não consegue identificar a direção de onde vem o som. Outro ponto de imersão na peça se refere à radicalidade no uso da cor. De acordo com D’Avilla, “em cada bloco tudo é da mesma cor: as paredes, o chão, os objetos. Assim, buscamos que o público se sinta inserido nesse espaço”.
A peça Demônios fica em cartaz de 28 de junho a 13 de julho de 2018, de quinta-feira a sábado, às 21 horas, e domingos, às 19 horas, no Teatro da USP (Tusp), situado na Rua Maria Antonia, 294, na Vila Buarque, em São Paulo. O ingresso custa R$ 30,00. Mais informações podem ser obtidas na página do Tusp.