Novo modelo de comunicação aposta em diálogo e trabalho colaborativo

Resultado de tese defendida na USP, livro propõe a “comunicação engajada”, centrada na resolução de problemas

 03/11/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 16/11/2022 às 14:21
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Novo modelo de comunicação se inspira em modelos de gestão originários do grupo Toyota – Foto: Reprodução/Freepik

 

Conta-se que Sakichi Toyoda, fundador da tecelagem que seria o embrião do grupo Toyota, criou um tear que detectava automaticamente um fio partido. O mecanismo interrompia imediatamente o funcionamento da máquina para evitar a produção de peças defeituosas. Para além dos efeitos práticos da invenção, a filosofia por trás daquele tear sugeria que a prioridade de qualquer organização deveria ser a identificação de problemas.

Essa história pode ser considerada o mito fundador do que seria chamado Sistema Toyota, um modelo de gestão surgido na montadora japonesa e que apregoa a reorganização do trabalho a fim de eliminar desperdícios no processo produtivo e aumentar o valor dos produtos ou serviços. A partir dos anos 1990, graças a pesquisas realizadas no MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos, o modelo deu origem ao sistema lean (termo que pode ser traduzido por “enxuto”) e começou a se disseminar pelo planeta entre empresas de setores diversos, oferecendo uma alternativa às formas tradicionais de gestão.

O pesquisador Alexandre José Possendoro – Foto: Arquivo pessoal

Ao propor mudanças na maneira como as empresas estruturam a produção, o sistema lean traria também efeitos inevitáveis para os processos de comunicação dessas organizações. Esse é o ponto de partida do livro Comunicação Engajada, Um Novo Modelo de Comunicação Organizacional Focado em Revelar e Resolver Problemas, de Alexandre José Possendoro e Alvair Silveira Torres Junior. A obra é resultado do doutorado de Possendoro, realizado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, co-orientado pela professora Margarida Kunsch e por Torres Junior, professor Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP.

Segundo Torres Junior, a característica central do sistema lean é a convicção de que todos os problemas devem ser identificados e tratados para que não se repitam. O interesse é garantir estabilidade, qualidade e agilidade na produção. “Não é só apagar incêndios, mas achar suas causas”, afirma. Determinante para o sucesso do modelo é a participação de todos os envolvidos no fluxo de trabalho. O problema deve ser revelado e tornado comum, para que as pessoas possam contribuir com ideias e análises técnicas em busca de resoluções.

A capa do livro de Possendoro e Torres Junior – Foto: Divulgação

O que Possendoro percebeu durante mais de uma década como assessor de comunicação do Lean Institute Brasil (LIB) – entidade responsável por difundir esse modelo de gestão e apoiar empresas dispostas a implantá-lo – é que a adoção do sistema também traz mudanças para os processos de comunicação das organizações. “Quanto mais esse modelo de gestão se intensificava, novos elementos estruturais de comunicação também iam sendo desenvolvidos”, explica.

Dentre as inovações percebidas por Possendoro, chamaram atenção o uso constante do diálogo presencial, livre e transparente no “chão de fábrica” e um relacionamento entre chefes e funcionários menos focado no poder hierárquico e mais no compartilhamento de ideias e experiências. As reuniões têm seus horários respeitados e pautas bem elaboradas, centradas no que é relevante. Decisões não são tomadas a distância, através de planilhas, mas a partir da presença nos espaços de produção, com observação direta da realidade.

Na visão dos autores, trata-se de um modelo novo e revolucionário, que ganhou o nome de “comunicação engajada”. Nele, os encontros comunicacionais seriam vistos como oportunidades de compartilhar informações entre os membros da equipe e sustentar a motivação no trabalho. A gerência estaria aberta para ouvir os funcionários e garantiria um ambiente seguro para a expressão de preocupações, sem temores de punição. A crítica não seria direcionada às pessoas, mas aos processos produtivos que precisam de soluções. Com isso, os trabalhadores ganhariam confiança para expor problemas, sem medo de dar “más notícias”.

Representação dos elementos da comunicação engajada. A base é a comunicação sobre problemas, que sustenta o diálogo livre, o respeito às pessoas, gestão visual simples e não hierarquia comunicacional – Foto: Divulgação

 

“A comunicação engajada é um novo modelo científico que pode ser implementado em qualquer organização”, conta Possendoro. Conforme o pesquisador, trata-se de uma alternativa aos padrões tradicionais de comunicação, que seriam reféns de duas bases da gestão tradicional, a hierarquia e a burocracia. A comunicação engajada deixaria a hierarquia em segundo plano, buscando valorizar a fala de todos em busca de uma mentalidade coletiva, que investe mais na cultura de grupo do que no individualismo. Também buscaria o uso intensivo, cotidiano e organizado do diálogo livre e presencial para revelar e resolver problemas.

Torres Junior destaca que o modelo da comunicação engajada é peça-chave para o próprio sucesso da implantação do sistema lean na gestão das organizações. Segundo o professor, muitas dificuldades enfrentadas na difusão completa do sistema surgem exatamente quando a dimensão comunicacional não é levada em conta. “Se o modelo de gestão ficar restrito ao operacional ou a certos setores da empresa, não se atinge o engajamento de todo o capital humano que permitirá um ganho exponencial na solução de problemas.”

O professor Alvair Silveira Torres Junior – Foto: Reprodução/FEA-USP

Dessa forma, prossegue o docente, a construção da comunicação engajada abre espaço e motivação para o aprendizado e aplicação das técnicas lean. E esse processo não seria restrito a empresas, podendo ser o estímulo para mudanças e inovações em diversos organismos sociais. “No futuro, pretendemos investigar esse aspecto em políticas públicas, que centrariam sua concepção a partir da comunicação engajada dos problemas de comunidades entre população, gestores públicos e especialistas.”

Ainda de acordo com Torres Junior, que é colaborador do Lean Institute Brasil e investiga as várias dimensões do sistema lean desde o final dos anos 1990, apesar de uma série de estudos já ter se detido no sistema lean, esta é a primeira vez que o aspecto comunicacional do modelo é investigado. “O mérito de Possendoro é revelar essa dimensão que nem o próprio toyotismo comentou. Ele mostra aos líderes que esse trabalho na comunicação é essencial para o sucesso da gestão.”

Além de levantamento bibliográfico, a pesquisa foi feita a partir de uma série de entrevistas e estudos de caso de empresas que adotam o sistema lean, como o Instituto de Oncologia do Vale (IOV), uma rede de clínicas situada no Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo, e o Grupo Wolpac, fabricante de equipamentos de controle de acesso, como catracas, portas automáticas e cancelas. “Falava-se muito em mudança de gestão, mas não havia um olhar para como essas mudanças dentro das empresas alterava os processos de comunicação”, explica Possendoro.

Comunicação Engajada, Um Novo Modelo de Comunicação Organizacional Focado em Revelar e Resolver Problemas, de Alexandre José Possendoro e Alvair Silveira Torres Junior, Editora LiberArs, 186 páginas, R$ 86,00.


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