Jean-Claude Bernardet ganha livro em comemoração aos seus 80 anos

Volume traz textos de colaboradores e ex-alunos e investiga o crítico, o acadêmico e o realizador audiovisual

 09/05/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 11/05/2017 as 13:14
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“Eu me sinto sendo construído como uma referência cultural” – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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“Não pense hoje o que você pensou ontem.” A frase do próprio Jean-Claude Bernardet é a melhor definição de sua vida e suas ideias. Crítico de cinema, Professor Emérito da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, roteirista, diretor e ator, Bernardet segue incansável e camaleônico. Aos 80 anos, quase cego por conta de uma doença chamada maculopatia, segue com viagens, parcerias e projetos que fazem as homenagens parecerem só um compromisso na agenda.

Bernardet 80 – Impacto e Influência no Cinema Brasileiro (Paco Editorial), organizado por Ivonete Pinto e Orlando Margarido, não é, porém, apenas uma homenagem. É uma visão panorâmica do pensamento e da prática do intelectual. O volume idealizado pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) busca entender Bernardet através de três aspectos: a crítica, a pesquisa e as realizações dentro do audiovisual.

Capa do livro Bernardet 80 – Imagem: Divulgação

O livro reúne 15 textos de diferentes autores, incluindo parceiros e ex-alunos de Bernardet, que se revezam em textos ora pessoais, ora analíticos. A professora da Universidade de Reading, na Inglaterra, e ex-aluna Lúcia Nagib abre o volume, lembrando da atuação em sala de aula.

“Bernardet talvez tenha sido o mais metódico em compartilhar com os alunos cada uma das frases que iriam depois compor os diversos capítulos de seu monumental estudo dos filmes iniciais de Bressane e Sganzerla. Se alguém levantasse a mão e desse um palpite qualquer sobre Cara a Cara (Júlio Bressane, 1967) ou O Bandido da Luz Vermelha (Rógerio Sganzerla, 1968), ele não perdia uma vírgula, tudo ia para o seu caderno de notas e se infiltrava no livro à maneira de uma possível reflexão alternativa”, escreve Lúcia no artigo em que fala da influência de Bernardet fora do Brasil.

Maria do Socorro Carvalho, professora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), passa em revista a relação de Bernardet com Glauber Rocha, cineasta e expoente máximo do Cinema Novo. Reunindo correspondências e declarações de ambos, a pesquisadora refaz o itinerário conturbado que se seguiu à análise de Bernardet sobre o Cinema Novo, publicada no livro Brasil em Tempo de Cinema (1967). Outro cineasta, Kiko Goifman, apresenta o ator Jean-Claude no texto Um homem ágil. Goifman relembra a parceria presente em Filmefobia (2007) e repetida em Periscópio (2013).

As noções do acadêmico sobre trajetória coesa e autoria, resumidas na frase proverbial que abre esta matéria, são investigadas pelo professor da ECA Mateus Araújo. No texto Duas palavras sobre Bernardet e os estudos de cinema no Brasil, Araújo sublinha a relação do próprio Bernardet com seus objetos de estudo.

“Selando sua tendência de falar ou refletir sobre si mesmo ao abordar seus objetos, suas críticas aos pressupostos da noção de autor parecem denunciar em seu uso, pelos outros, aquelas propriedades (coesão, unidade, estabilidade no tempo) das quais o próprio Bernardet quer se livrar na sua autoimagem de estudioso. Mais do que ninguém, é ele próprio quem luta para se libertar dessa concepção coerentista de autor, que tenderia a enrijecer sua trajetória intelectual. Se definiu Brasil em tempo de cinema como uma ‘quase autobiografia’ e a dedicou a Antônio das Mortes, Bernardet poderia qualificar o seu livro de ataque ao autor no cinema como um ‘quase retrato’, e dedicá-lo ao sujeito descentrado e plural que ele sempre aspirou a ser” analisa Araújo.

Me sinto sendo construído como uma referência cultural

Bernardet não quer comentar o livro em homenagem aos seus 80 anos. “Eu não vou ler sobre mim mesmo, como os outros me veem. Não interessa.”

Francês nascido na Bélgica, Jean-Claude Bernardet chegou com a família ao Brasil aos 13 anos. Antes de abraçar o cinema, já era um leitor ávido e trabalhou na Livraria Francesa e na Editora Difel (Difusão Europeia do Livro). A entrada num cineclube situado numa galeria entre as ruas Barão de Itapetininga e Dom José Gaspar definiria sua vida.

“Lá no Cineclube havia toda semana uma discussão a partir de um relatório, feito por um dos membros, sobre determinado filme. Quando foi a primeira vez que eu fiz isso, era um filme francês, eles gostaram muito. E, de certa forma, a minha competência analítica que vinha da literatura e um pouco do teatro funcionava na narrativa cinematográfica. E isso foi muito bem-aceito. A tal ponto que, depois que eu fiz essa primeira análise, eles me convidaram para a diretoria, porque eles estavam montando uma chapa”, relembra.

“Não havia em mim algo que buscasse especificamente o cinema. Mas houve uma conjuntura” – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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A mesma vontade de se integrar e contribuir com a sociedade brasileira, que levou Bernardet a priorizar a crítica de filmes nacionais e o diálogo com seus realizadores, esteve presente no início de sua trajetória. “Não havia em mim algo que buscasse especificamente o cinema. Mas houve uma conjuntura. De repente, o sujeito começa a perceber que ele pode ser útil na sociedade, que ele é bem-aceito, que ele se articula”, reflete.

Se o desejo do imigrante se integrar à sociedade gerou o crítico e o acadêmico, para Bernardet agora é a sociedade que age, criando uma referência cultural. A reflexão surge das leituras que fez do sociólogo e também professor da USP Sérgio Miceli.

“Através dessa enxurrada de livros, de filmes, de homenagens, medalhas, o meu pensamento é o seguinte: uma sociedade precisa construir referências culturais. Referência cultural não é apenas a obra de uma pessoa nem de um escritor, mas é uma construção social a partir da obra de um fulano.” E continua: “O que eu estou vivenciando sou eu sendo construído, me sinto sendo construído como uma referência cultural para, pelo menos – não vou dizer à sociedade brasileira, porque seria dizer muito -, essa camada cultural em que atuo”, completa.

 

Bernardet 80 – Impacto e Influência no Cinema Brasileiro, org. Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), Paco Editorial, 228 páginas, R$ 44,90.

 


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