“Quando estamos na praia, é comum ficarmos um tempo apenas contemplando o fluxo do mar e escutando o barulho contínuo das ondas. Essa mistura de imagem, som e movimento, o Cinusp já conhece bem”, diz Gustavo Maan, um dos curadores da mostra virtual Mares por Vir, que estreia nesta segunda-feira, dia 22, no Cinema da USP Paulo Emílio (Cinusp). A mostra exibirá 13 curtas-metragens gratuitamente até 18 de abril no canal do Cinusp no Youtube, com o objetivo de dar uma ideia da presença do oceano no cinema e proporcionar aos sentidos dos espectadores uma experiência marítima.
Segundo Maan, a seleção de filmes abrange uma gama de experiências no mar, desde registros de vivências até obras puramente contemplativas, que propõem uma reflexão a partir do olhar. “Há um mosaico de muitas formas de registro, passando por animações, documentários etnográficos, filmes científicos, ficções, no qual a semelhança está no protagonismo enfático do mar, como metáfora, espaço ou simplesmente uma paisagem a ser vista”, afirma.
Sob essa perspectiva de contemplação está Green Ray, produzido pela diretora Tacita Dean, que busca fixar os raios verdes do fim do pôr do sol no mar de Madagascar. Com dois minutos, o vídeo é um trecho de Film, feito para uma instalação no museu Tate Modern, em Londres. “A paisagem fixa do mar é tão bonita e nos conduz de uma maneira tão sensível por aquela paisagem que é impossível não se emocionar. Quando eu terminei de assistir, suspirei e foi como se tivesse me renovado”, comenta Maan.
Já em Sem Coração, o mar é plano de fundo de uma trama entre pré-adolescentes, numa narrativa amorosa de despertar sexual. O curta brasileiro, dirigido por Nara Normande e Tião, conta em 24 minutos a relação que os personagens mantêm com o mar e, ao mesmo tempo, com suas trajetórias de amadurecimento. “Esse retrato da adolescência mostra o sentimento de incompreensão da protagonista de Sem Coração, que entende mais as criaturas marinhas do que os outros que a cercam”, destaca Maan. Para ele, os diretores usam as metáforas de modo impactante. “Ali a água salgada parece juntar todos esses sentimentos: o desejo, a violência, o trauma, a curiosidade”, completa.
Em A Temporada do Peixe-Espada, o diretor Vittorio De Seta acompanha uma prática de pesca hoje extinta na costa da Sicília, na Itália. Com passagens em eventos como o Festival de Cinema de Nova York, em 2019, o filme é uma montagem inovadora para o cinema documental da década de 1990 ao registrar a tradição e o cotidiano dos pescadores, que tiram o sustento das águas salgadas.
A animação Egun, por sua vez, explora a religiosidade afro-brasileira ao representar Iemanjá e sua importância na vida de milhares de pescadores que a têm como protetora dos maus tempos.
Dirigido por Aline Motta, Se o Mar Tivesse Varandas coloca o oceano como centro da questão diaspórica que às vezes une, às vezes separa Brasil e África. “As fotografias lavadas pela água marinha propõem um processo de cura, retomando sensivelmente o trauma perpétuo da escravidão. A fragmentação colonialista, baseada justamente no sentimento de perda da imagem, é enfrentada por Aline de maneira bela e consistente”, conta Maan. De acordo com a sinopse publicada no site do Cinusp, o curta se debruça sobre a reconexão do Brasil com o continente africano e, para isso, trata do passado colonial europeu, que promoveu a retirada forçada dos africanos de suas comunidades originais. “Se o mar tivesse varandas, o exílio seria uma passarela, ao qual todos retornariam concretamente”, diz Aline num trecho do filme.
Ácera ou a Dança das Bruxas tem como personagem principal um estranho molusco, a Acera bullata. O filme produzido por Jean Painlevé, em parceria com Geneviève Hamon, retrata a ciência do ciclo de vida desse ser marinho, que “dança com seu capuz durante o ritual de acasalamento”. Segundo o site do Cinusp, o curta apresenta uma conciliação entre o rigor da descrição científica e a sensibilidade do olhar artístico, propiciando um estudo da vida e da beleza desses seres.
“O Cinusp procura entender o oceano como esse espaço de movimento, do trabalho diário às festividades religiosas, e aposta na mistura de imagem e sons do oceano para trazer o clima marítimo no contexto de isolamento social”, destaca Gustavo Maan.
A mostra Mares por Vir, do Cinema da USP Paulo Emílio (Cinusp), fica em cartaz até 18 de abril no canal do Cinusp no Youtube. Grátis.