Livro expõe a saga de família judia refugiada da Alemanha nazista

Editora Humanitas lança a primeira edição brasileira de “Árvore com Asas, Passarinho com Raízes”

 24/04/2019 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 29/10/2019 às 9:51
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A autora Eva Raimann Cabral em Viena com seus pais, Egon e Grete ー Foto: Arquivo Pessoal / Reprodução

Restaram poucas testemunhas vivas para relatar o que foi ter vivido de fato o período de horrores da Segunda Guerra Mundial. A vienense judia Eva Raimann Cabral revisitou seu passado com depoimentos e documentos de sua família e, reunindo-os em um livro, conseguiu – através de um relato pessoal – transmitir toda uma gama de informações sobre o momento histórico dominado pelo nazismo.

A obra Árvore com Asas, Passarinho com Raízes, lançada em Portugal em meados de 2012, ganhou recentemente sua edição brasileira através da Editora Humanitas. O livro é o quarto volume da Coleção Testemunhos, projeto do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (Leer) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, que retrata histórias de sobreviventes do nazismo e outros regimes.

Eva Raimann Cabral ー Foto: Jornal PÚBLICO / Reprodução

Nascida na cidade de Viena em família com origem fortemente alicerçada no Império Austro-Húngaro, a pequena Eva tinha apenas um ano quando ocorreu o Anschluss (anexação da Áustria à Alemanha de Hitler). Seu pai – trabalhador da indústria farmacêutica – fora demitido de seu emprego por ser judeu, e logo a família inteira se viu forçada a emigrar para que não acabassem em um campo de concentração.

De uma família tradicional em diáspora pelo mundo, abandonando suas terras para fugir das perseguições nazistas, surge a metáfora da “árvore com asas” que acompanha o título. “Atordoados pelo antissemitismo, voaram em busca de um pouso seguro, deixando para trás suas raízes, cortadas pela violência totalitária”, conta a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, na apresentação do livro.

O refúgio encontrado foi a cidade de La Paz, na Bolívia. Ali ficaram até o fim da guerra. Porém, em razão de instabilidades políticas locais, o ambiente começou a se tornar hostil. Então, em 1947 emigraram para o Brasil. Eva ainda foi morar na França, após ter ganho uma bolsa de estudos, e lá conheceu seu marido, com quem foi morar em Lisboa alguns anos depois.

O passaporte da mãe de Eva com o carimbo “J”, de “Jude” ー Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução

Na década de 80, ao encontrar uma pasta com correspondências trocadas entre seu pai e uma tia distante, Eva foi instigada a iniciar uma pesquisa histórica para mapear quem eram e por onde andaram seus familiares nesse período tão turbulento que foi a Segunda Guerra. Além das cartas, ela se baseou principalmente em duas árvores genealógicas construídas por seu pai e em uma carta que sua tia deixou aos netos para que soubessem sobre seus ancestrais.

A ideia central era deixar um testemunho bem encorpado para as gerações futuras de sua família espalhada pelo mundo, uma preservação de suas origens. Ao compor esse livro documental, Eva conseguiu reconstituir seu passado e firmar seu vínculo com os descendentes de seus familiares sobreviventes, valendo-se da metáfora “passarinho com raízes”.

Capa do livro Árvore com Asas, Passarinho com Raízes ー Foto: Editora Humanitas / Divulgação

A obra é dividida em três partes. A primeira trata das vivências de sua família principalmente no período anterior ao contexto do nazismo. Ali o relato se sustenta principalmente pelos documentos que Eva acumulou em sua pesquisa. A segunda parte é uma narração, focada em sua trajetória como refugiada, expondo como foi viver nas diversas cidades onde se instalou. Já a terceira parte é essencialmente dedicada aos descendentes da autora. Para complementar o relato, a autora ainda lança mão de uma série de recursos imagéticos, como fotos de época e esquemas de árvores genealógicas.

Hoje a autora vive com uma grande família no quinto país, Portugal, e na nona cidade em que já viveu, Lisboa, e carrega o orgulho de ter garantido não apenas a possibilidade de que seus descendentes aprendam sobre suas origens, mas que qualquer interessado entenda melhor o que foi o nazismo para a humanidade.

“Desejo que estes relatos contribuam minimamente para, de alguma forma, fazer sentir como o mundo poderia ser melhor se houvesse maior tolerância, e mais interesse em comunicar e conhecer o próximo”, escreve Eva.

Árvore com Asas, Passarinho com Raízes, de Eva Raimann Cabral, Editora Humanitas, 263 páginas, R$ 40,00.


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