Foram só dois livros publicados em quase 70 anos de vida: o volume de contos El Llano en Llamas (“Chão em Chamas”) e o romance Pedro Páramo. Mesmo com breves produções, fez-se longo o legado de Juan Rulfo na escrita latino-americana. Para analisar a peculiar relevância do escritor mexicano, o Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP promove o Ciclo de Cinema Juan Rulfo, com a exibição de quatro roteiros adaptados das obras do autor.
Nas próximas quartas-feiras, de 5 a 19 de junho, sempre às 17 horas, as produções serão apresentadas na sala 262 do Prédio de Letras da FFLCH. O evento é gratuito, aberto a todos os interessados e não necessita de inscrição prévia. Os filmes serão exibidos em espanhol, sem legendas.
“A tentativa é resgatar adaptações da obra de Rulfo em um espaço temporal que percorre três décadas importantes para a América Latina: as de 60, 70 e 80”, explica o professor Pablo Fernando Gasparini, coordenador do ciclo.
Segundo o professor, Rulfo resignifica a grande tradição dos romances da terra, especificamente aqueles que no México têm o nome de “novela de la revolución” – um tipo de literatura assentada sobre a ideia de registro das costumes e forma de falar do povo e com um verossímil de tipo realista na sua estrutura e forma. “A narrativa de Rulfo trabalha também com o mundo do campesinato, propriamente o campesinato de Jalisco no México, mas a forma em que trabalha com ele utiliza procedimentos que entenderíamos como mais próximos das vanguardas”, destaca Gasparini.
A proposta das exibições surgiu a partir de um curso de Gasparini, que leciona no Programa de Língua Espanhola e Literatura Espanhola e Hispano-Americana da FFLCH. Mas, além disso, foi a figura de Rulfo como fotógrafo que despertou a ideia de realizar o ciclo.
Os dois únicos livros de Rulfo foram lançados na década de 50 e mostram o estilo e a importância do escritor mexicano. A escrita é marcada pelo realismo fantástico, escola literária em que acontece a mescla e união de fatos reais e irreais, mesmo que aparentemente seja tudo muito contraditório. Há uma perspectiva sempre muito recorrente nas obras: o campesinato de Jalisco, no México. “Em Rulfo, há um trabalho com a oralidade, e isso não a partir da ideia de registro, mas a partir da invenção de uma voz ou de vozes para o campesinato jaliscense”, analisa Gasparini.
Segundo o professor, a voz serve de reflexão e marca na escrita de Rulfo. “Ela é útil para que repensemos o lugar da voz na obra, como ela é indagada em certas ocasiões como inscrição coletiva”, diz. “Outras vezes, a voz surge como matéria que ecoa na consciência e memória dos personagens e é através dela também que se problematiza a noção de tempo e espaço.”
A primeira exibição, nesta quarta-feira, dia 5, será Pedro Páramo, lançado no cinema em 1967, com direção de Carlos Velo e roteiro de Carlos Fuentes. Pedro Páramo é considerado a maior realização de Rulfo. O livro conta a volta de Juan Preciado para a cidade de Comala, em busca de seu pai que não o registrou, Pedro Páramo. Chegando ao local, vai aos poucos descobrindo o caráter inescrupuloso do pai, já morto, e a relação que aquela cidade tinha com ele. A morte aparenta estar mais viva e presente do que nunca, como uma boa dose de realismo fantástico. Para Gasparini, “a adaptação de Carlos Velo está mais interessada em contar a história de Pedro Páramo do que tentar levar para o cinema a multidimensionalidade do mundo de Comala”.
No dia 12, será apresentado El Despojo, curta-metragem de Antonio Reynoso, que conta com roteiro do próprio Juan Rulfo. Em pouco mais de 12 minutos, é exibida a vivência de um pobre camponês. Seu bem mais precioso é a própria família: a esposa e o único filho. Mas o perigo e a morte os acompanham de perto. No meio da tensão, o homem vive pensamentos de um lugar com paisagens bonitas, mas logo acorda com tiros vindos da dura realidade que tem de viver. “A ideia de apresentar o curta-metragem é mostrar também o interesse cinematográfico do autor, que, aliás, foi um grande fotógrafo”, diz Gasparini.
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Também no dia 12, será exibido El Rincón de las Vírgenes. Ele fala de um santo milagreiro, sobre o qual, entretanto, pairam dúvidas sobre se realmente é capaz de operar milagres. O tom do filme é diferente do das outras exibições, tratando a narrativa de maneira mais bem-humorada. Com direção de Alberto Isaac, dois contos de El Llano en Llamas servem de inspiração para esse filme: Anacleto Morones e El día del derrumbe. O primeiro fala de um homem que foi considerado santo porque se ajoelhou em um formigueiro e não foi mordido. O segundo trata da ida de um governador a uma cidade após um terremoto, mostrando as contradições dessa visita. “O filme lida com um aspecto não sempre sublinhado da obra de Rulfo: a representação do desejo feminino e, de forma geral, a representação da sexualidade”, nota Gasparini.
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El Imperio de la Fortuna, que será exibido no dia 19, vem do conto El Gallo de Oro. Adaptada em 1986, a história é de Dionísio Pinzón, que após salvar um galo de ir para a panela vê o potencial do animal em disputar as rinhas, virando um supercampeão. Logo, Dionísio começa a adquirir fortuna com a prática. Mas é justamente nessa ascensão que os problemas também surgem. O homem aparenta ter a vida igual à do galo: uma hora vence e, num só golpe, perde tudo. “Talvez seja importante pensar esse filme a partir da vasta produção cinematográfica do próprio diretor e da maneira como trabalha com esse texto híbrido que é El Gallo de Oro: romance ou roteiro? Ou um romance-roteiro?”, diz Gasparini.
O Ciclo de Cinema Juan Rulfo será realizado nos dias 5, 12 e 19 de junho, sempre às 17 horas, na sala 262 do Prédio de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP (Avenida Professor Luciano Gualberto, 403, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis.